
Sempre que converso com minhas amigas sobre nossas histórias de vida, chego à conclusão que todas as histórias de pobres são iguais. São vários recortes de vidas, numa vida só; todas “vidas severinas”, mas nem por isso deixam de ter seus encantos e alegrias.
Por isso decidi fazer uma pesquisa sobre o assunto, então levantei alguns dados que foram relevantes para minha conclusão:
Descobri por exemplo, que toda criança pobre da minha época, quando ficava doente, queria ficar nesse estado convalescente por mais tempo, é porque filho de pobre só comia maçã quando estava enfermo. Aquelas embrulhadas naquele papel de seda azul lembram?
Outro dado importante: Filho de pobre só ganhava roupas e sapatos duas vezes no ano: São João e Natal (não é como hoje que as crianças ganham roupas todos os meses) lembro da felicidade que era ganhar uma roupa nova, a alegria era tanta que até hoje dá pra sentir a sensação.
Outra lembrança boa que pude compartilhar com minhas amigas foi à emoção de ver pela primeira vez uma televisão – para criança pobre do interior tudo era novidade, até geladinho. Lembro que na minha cidade só tinha uma TV, era na casa de Dona Ginerina, todos do lugarejo corriam para lá para assistir a novela – acho que era Irmãos Coragem; depois meu pai comprou uma televisão e ai as pessoas iam para minha casa assistir TV, dia de jogo então, a casa ficava cheia. Ah! Mas eu era uma pobre até chique porque na minha cidadezinha só tinham dois carros “velhos” e um era de meu pai. Quando alguém ficava doente ele tinha que sair a qualquer hora para levar ao médico em Potiraguá, era o lugar mais próximo que tinha um “doutor”.
Ah! Outra coisa que descobrir no meu levantamento de dados para minha pesquisa sobre histórias de pobres, e esta não é pra qualquer um: A minha mãe assim como outras mães pobres adorava ler Sabrina, Júlia e Bianca, coisa de pobre tirado a sabido. Ah! Confesse sua mãe também lia não é? A minha mãe até esquecia a panela no fogo.
Outro dado fundamental, eu diria que sem ele a pesquisa não seria a mesma:
Toda criança pobre tinha pereba, é por isso que muita tem gente até hoje tem vergonha de colocar biquíni, por causa das marcas de feridas na bunda, que besteira, todo mundo tem” Só a bailarina que não tem”. Que bobagem gente, o charme dos dálmatas são as manchas.
Olha a pesquisa ficou tão extensa que já posso até fazer uma tese de doutorado:
“História de pobre é tudo igual”.
Nossa já ia me esquecendo de um outro dado importantíssimo:
Toda criança pobre (da minha época) que se preza já comeu tripa assada na brasa com farinha, hum!!! Que delícia! Alguém precisa mandar a receita para Ana Maria Braga, só que depois dá uma dor de barriga; por falar em dor de barriga, lembrei de outro dado importantíssimo: pobre do interior quando ia para o rio, costumava fazer suas necessidades fisiológicas no caminho, dentro dos matos e depois se limpava com folhas de *cuarana, só que uma vez aconteceu um incidente grave com um amiguinho meu, ele teve a infelicidade de pegar a folha errada era *cançanção, todo mundo daquela época sabe o que é; o coitado saiu correndo para dentro do rio com a “bunda pegando fogo”!
Gente agora esse é um elemento fundamental para esta investigação: pobre sem farofa não é pobre, e as combinações que se inventam para comer com farofa? É banana, é café, é requeijão, uma verdadeira feira gastronômica e depois dizem que pobre não se alimenta bem! Já viu coisa pra dá mais sustância: farofa de mocotó é bom de mais!!!
Uma outra característica marcante do povo carente é a criatividade para tudo: tampinha de refrigerante vira tapete, garrafa de Q boa vira cortina….
Tem um acontecimento ligado a estas questões aqui colocadas, que eu achava fantástico quando era pequena: As mulheres da cidade onde eu nasci (Gurupá-Mirim) e das roças circunvizinhas, aos domingos iam para feira do Coréia, olha era um festival de estilos: os vestidos estampados, ruge vermelho no rosto, brilhantina e presilhas nos cabelos(dai veeio a minha inspiração para criar minha personagem Joana DArc) e perfume tabu ou charisma para dá um toque especial, era chique usar charisma. E por falar em estilos e cabelos, outra informação importante, toda moça pobre que se presa da minha época usou kolene ou neutrox, ia para festas com o cabelo pingando, quando dava uma balançada no cabelo, logo todo mundo sabia, está usando kolene ou neutrox, não tinha isso de progressiva, chapinha ou esses cremes chiques de hoje não e o cabelo ficava massa. Descobri recentemente que tinha gente que até colocava uma gota de perfume no kolene para disfarçar o cheiro, essa é ninja viu. Ai ai. Ah sim e quem era chique misturava musk da natura com almíscar para se perfumar.
Demorei meses, fazendo esta pesquisa, foi um trabalho árduo, aliás, ela ainda está em andamento, pois todo dia encontro novas peculiaridades, pode-se dizer até inerentes a classe, e cada vez que me deparo com subsídios tão importantes para este trabalho, preciso registrar, então acredito que este pequeno texto irá tornar-se um livro. Mas estou muito feliz com o resultado desta pesquisa porque de tudo quanto averigüei o mais interessante foi saber que com tudo isso, fomos felizes, sem luxo, sem tecnologia, sem rebeldia, não tínhamos esses conflitos e problemas da infância de hoje, não sabíamos o que era consumismo, modernismo; a nossa bonequinha de pano feita em casa ou o carrinho de pau, era o suficiente para nossa fértil imaginação criar um mundo de fantasias.
*Cuarana e cançanção – plantas típicas da região
Por: Rosângela Fonseca do Nascimento