
Ver aquelas cadeiras ali, na calçada do Restaurante, enfileiradas, encostadas na parede, foi uma espécie de miragem para aquele senhor, que não conteve a surpresa e perguntou ao dono do estabelecimento, Marcelo, que assava carne numa churrasqueira, na frente do estabelecimento: “é para a gente tirar uma soneca depois do almoço”, indagou.
– É sim, fique à vontade.” Respondeu muito simpático o dono.
É realmente algo incomum, afinal, não eram cadeiras comuns, mas cadeiras de balanço. Um modelo antigo, com estrutura de ferro, assento e encosto alto feitos de um material plástico, trançado, e ao invés de pés, duas barras de forma curva que permitem ao usuário se balançar.
De imediato, o homem chegou a se sentar numa delas, se ajeitou, como se estivesse se preparando, se adaptando à anatomia do assento, para depois do almoço, curtir a sesta. Mas logo se levantou todo animado. Entrou no Restaurante e, após escolher uma mesa, sobre a qual deixou a pasta que carregava, pegou um prato e se serviu. Um self-service generoso, com muito feijão, arroz, carne e por fim, um pouquinho de salada com duas rodelas de tomate no topo. Já na mesa, acrescentou pimenta e farinha.
Devorou tudo em não mais do que cinco ou sete minutos, com garfadas vigorosas, sucessivas, que não esperavam o necessário mastigar. A cada bolo de comida posto na boca, um gole de refrigerante, como se quisesse fazer o alimento descer bem depressa. Olhares atentos pareciam querer decifrar se toda aquela pressa, aquela gula se devia à fome, ou à falta de educação do freguês que, ao final, virou o rosto para a parede, como a soltar um insuspeito arroto.
Terminada a comilança, pôs o prato na borda de mesa, jogando para o seu interior restos da comida que caíram sobre a toalha, palitou os dentes, depois se dirigiu ao caixa, onde a esposa de Marcelo, Paula, cobrou a conta e deu-lhe o troco.
“Agora vou tirar uma madorna”, comentou um tanto excitado, esfregando as mãos, enquanto se acomodava numa das cadeiras. Sacudiu o corpo para um lado e depois para o outro, ajeitando os mais de cem quilos que pareciam não haver se adaptado de imediato ao assento. Mas logo encontrou a posição ideal, e em poucos minutos, o semblante foi demonstrando que o homem cedia ao sono. Um ventinho vindo de uma rua lateral da praça, abrandava o calor daquele meio dia de sol a pino, em pleno mês de janeiro.
Assim, aos poucos, o cochilo se tornou sono profundo, não tardando a ser ouvido um suave ronco, pouco audível, cujo som, aos poucos foi aumentando, e logo passou a se assemelhar a um barulho de britadeira. Um incômodo sonoro grave, pesado, vindo da boca escancarada que, de frente, deixava à mostra a garganta. As bochechas, enormes, ficavam a tremer, e a barriga dentro da camisa apertada, forçou um botão que desabotoou, enquanto o homem respirava e expelia aquele som, num quadro dantesco.
O ronco, mesmo sendo na calçada, passou a ser ouvido também dentro do Restaurante, causando incômodo aos clientes que ouviam na TV, um noticiário. Um riso aqui, outro acolá, e em poucos minutos todos riam, numa algazarra generalizada. Piadas e maldosas comparações. Alguns clientes, ao saírem, pararam em frente ao roncador, um até fez uma selfie, mostrando aquele corpanzil esparramado sobre o assento, uma cena grotesca. Um casal que almoçava numa das mesas, na calçada, ao lado do dorminhoco, se sentindo incomodado, chegou a pedir a Marcelo para acordá-lo. Mas o dono do estabelecimento preferiu não interferir.
De repente, o homem acordou. Arregalou os olhos de forma inesperada, assustado, como se saísse de um pesadelo. Pôs as mãos sobre os braços da cadeira e ficou alguns segundos, estático, como se tentasse recobrar os sentidos, se situar. O acordar inesperado o fez ver umas cinco ou seis pessoas ao seu redor, rindo, o que pareceu tê-lo deixado constrangido, enfurecendo-o. E mesmo aparentando não ter acordado de todo, bateu com força nos braços da cadeira, externando sua raiva, e se levantou bruscamente. Ainda meio trôpego, desceu do passeio e ganhou a rua, em passos cambaleantes, sem olhar para trás. Mas teve que voltar, ao ser avisado por uma cliente, que deixara a bolsa com os documentos sobre a mesa. Parou, deu meia volta e, vivendo um misto de constrangimento e raiva, voltou com o semblante fechado e pegou a pasta das mãos da mulher. ”Obrigada”, resmungou entre dentes, e seguiu, carrancudo, mas sob o riso incontido de alguns que se divertiam em boas gargalhadas.
Teoney Guerra
Barra do Choça (BA), 08 de janeiro de 2015