Aos 20 anos, Maria Fernanda* se viu vítima da violência do namorado e pai de sua filha de 10 meses de idade. Após dois anos e meio de agressões, ela decidiu denunciá-lo. Chamou a polícia quando o homem tentou enforcá-la, pressionando seu corpo na parede.
Na cabeça dela, a situação seria um flagrante. Ela levaria o agressor para a polícia, ele seria enquadrado pela Lei Maria da Penha e a jovem finalmente poderia se livrar daquela rotina de violências. Mas não foi o que aconteceu.
Leia o relato dela:
“Passei dois anos e meio com meu ex-namorado e, durante todo esse tempo, sofri violência tanto psicológica, quanto física. Ele me fazia sempre ser a culpada de tudo. Depois que eu engravidei, eu precisei sair do emprego, tive alguns problemas na gravidez e ele percebeu que eu estava ‘presa’ a ele – aí as agressões ficaram muito frequentes.
A última vez aconteceu quando ele chegou muito bêbado em casa e a minha filha, que estava com 10 meses, estava doente. Aí foi o ápice. Falei numa boa para a gente se separar. E aí ele se transformou, falou que não ia aceitar.
Eu estava com a minha filha no colo, ele ele veio me enforcando, me encostando na parede. Deixei minha filha cair no chão. Acordei nervosa e liguei pro 190. Tranquei-o dentro da casa. Demorou 45 minutos para a viatura vir até minha casa, e eu estava passando muito mal. Quando o policial chegou, ele veio apertando a mão do meu namorado, cumprimentando…falou: ‘Boa noite senhor, tudo bem?’. O cara tinha acabado de me bater, eu não podia acreditar.
Fomos até a delegacia da Polícia Civil. Colocaram nós dois na viatura, ele não foi algemado, foi do meu lado. O policial foi falando várias coisas. ‘Vocês estão de cabeça quente, não precisa fazer B.O., isso vai ferrar a vida dele’, dizia.
Na delegacia, não foi diferente. O delegado ouviu meu depoimento na frente do meu namorado. E logo começou: ‘Vocês vêm aqui todo dia por causa dessas coisas de mulher e depois fica tudo bem. Você vai fazer isso mesmo? Ele vai perder o emprego e não vai adiantar nada porque daqui a pouco vão pagar a fiança e ele vai sair ainda mais bravo com você. Essas marcas aí? Estão tão fraquinhas… até você chegar no IML (para fazer exame de corpo de delito), já vão ter desaparecido’.
denunciar violência, mulheres podem recorrer ao 180, o disque denúncia
Fiquei ainda com mais medo. Eles tentam de todas as formas fazer você desistir. E, no meu caso, eles conseguiram. ‘Vai pra casa, resolve na conversa’, o delegado me dizia. A raiva era tanta que eu comecei a chorar.
Voltei andando para casa, eles não se ofereceram para me levar. Fui caminhando, eu com a minha filha no colo e, por 40 minutos até em casa, ele (namorado) veio atrás de mim fazendo ameaças.
Depois até liguei para o 180 (Disque Denúncia) para poder me informar. A moça falou que não estava certo, mas que só poderia dar continuidade ao caso se eu fizesse B.O. Eu não tinha apoio da família e vi que também não tinha apoio do Estado.
Na minha interpretação, quando tem agressão, tem que ter uma conversa ao menos com o cara para dizer o que pode acontecer com ele. Bota ele numa palestra educativa ou qualquer coisa. Para ele entender que o que está fazendo é errado. Mas o que eles fazem é botar a culpa na mulher, ela fica pensando que vai ferrar a vida do cara.
A verdade é que se você quiser levar isso para a frente, você vai passar por muita humilhação. Eu tenho certeza de que se hoje em dia ainda existem tantas mulheres que são agredidas e não denunciam, é por causa disso, porque ela sabe que vai ser humilhada. E quem viu o que eu passei, não vai denunciar, porque desestimula.
O pior é saber que ele vai continuar fazendo isso. Fez com a antiga namorada dele, porque ela me contou depois que nós começamos a namorar. E vai fazer de novo, porque sabe que não vai ser punido.
Minha filha ficou muito mal com isso, até hoje ela ouve qualquer barulhinho e já fica desesperada, chora copiosamente.
Minha sensação é que sou tão insignificante, tão pequena, que ele pode pisar o quanto quiser em mim que nada vai acontecer. Você não pode contar com ninguém. Você se sente sozinha.
Eu até ia voltar com ele porque não via saída. Fiquei sem dinheiro para criar minha filha. Mas eu tive força dos amigos e consegui ficar longe.”
*Nome fictício