O promotor de justiça Dr. Rodrigo Pereira Anjo Coutinho, entrou com uma ação civil pública, onde o município e a empresa prestadora de transporte escolar, possam dar explicações, pelo não cumprimento das normativas que regem o assunto.
Este já é o 3º mandato de Robério Oliveira e ainda é preciso que o Ministério Público intervenha em ações tão simples. E novas ações ainda estão por vir, como o não atendimento de doações a crianças carentes, tanto de utensílio quanto de medicamentos e assim por diante.
Uma coisa que se nota, quando Robério se afasta da prefeitura para cumprir outros afazeres, como há pouco tempo para tratamento de saúde, quem assume no seu lugar, é o vice prefeito Fábio Baioco ou agora o secretário Lourenço, por que em seu último mandato, quando foi afastado por medida judicial, ele acabou ganhando mais um processo, por ter mesmo afastado, assinado vários documentos, o que demonstra que Robério não é muito de dividir tarefas. Leiam a ação do Ministério Público.
EXCENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE EUNÁPOLIS
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio do Promotor de Justiça Titular da 7ª Promotoria de Justiça da Comarca de Eunápolis, com fulcro no art. 129, inciso III, da Constituição da República de 1988; art. 1º, inciso IV combinado com art. 3º e 5º, I, da Lei Federal nº 7.347, de 24.07.85; art. 201, V da Lei 8.069/1990, com base no inquérito civil público nº (SIMP nº. 647.0.201811/2014), autos anexos, vem ajuizar:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido liminar,
em face do MUNICÍPIO DE EUNÁPOLIS, pessoa jurídica de direito público interno, CNPJ/MF 16.233.439/0001-02, com sede na Rua Arquimedes Martins s/nº, bairro Centauro, nesse Município, representado pelo Excelentíssimo Prefeito Municipal José Robério Batista Oliveira, CEP 45.822-060
e
SMAR EMPRESA DE TRANSPORTE LTDA, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ nº 09.289.465/0001-89, com sede na Rua Estelita Melgaço nº 602, bairro Stela Reis, CEP 45.823-040, representada por Marcelo Santos Gomes, CPF nº 005.551.195-30 e Simone Santos Gomes, CPF nº 024.649.735-13,
Pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.
- DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
No topo da pirâmide normativa, dispõe o artigo 127, caput, da Constituição da República de 1988, in verbis:
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (grifos nossos).
Outrossim, estabelece o artigo 129, inciso III da Carta Magna:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (grifos nossos).
Especificamente em relação aos direitos das crianças e adolescentes, a Lei 8.069/1990 preceitua:
“Art. 201. Compete ao Ministério Público: V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei das ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes, ao não oferecimento ou oferta irregular: V – de programas suplementares de oferta de material didático escolar, transporte e assistência a saúde do educando do ensino fundamental;
A tutela dos direitos das crianças e adolescentes – estudantes – no caso em tela tem natureza de interesse coletivo, legitimando o Ministério Público à sua defesa via ação civil pública.
Assim, a legitimidade do Ministério Público para a ação civil pública é evidente, sendo cabível a ação civil publica para, em primeiro lugar, regularizar o serviço publico de transporte de escolares, prestado atualmente de forma irregular, com infringência as normas de segurança do Código de Transito Brasileiro.
Lado outro, a questão tratada na demanda também resvala na tutela da probidade administrativa, que abarca a defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, e de outros interesses difusos e coletivos tem natureza de interesse difuso.
A probidade administrativa equivale ao comportamento legal, moral e ético que a Constituição da República exige de todo e qualquer agente público. A violação ao Princípio da Probidade ofende diretamente o interesse difuso da coletividade, consistente na exigência de que a Administração e seus agentes atuem em conformidade com a Ordem Constitucional.
Nesse diapasão, não podem ser confundidos o interesse social na defesa da probidade da Administração Pública com interesses dos entes públicos (interesse público primário x interesse público secundário).
Na demanda em tela, cujo pleito versará tanto sobre o direito constitucional à educação (art. 208, VII da Constituição da República de 1988), à segurança dos estudantes da rede pública de ensino do Município de Eunápolis, quanto à preservação do patrimônio público, conceito que abrange os princípios Constitucionais, mormente a moralidade administrativa, a legalidade, eficiência etc., o Ministério Público atuará em defesa do interesse da sociedade, portanto, do interesse público primário.
Desse modo, a tutela da probidade administrativa, interesse jurídico titularizado por toda a sociedade, se insere na órbita dos interesses difusos, apresentando suas características, quais sejam: a. indeterminação dos sujeitos, b. indivisibilidade do objeto e c. os titulares do direito à probidade administrativa estão agregados em função de uma situação de fato em comum.
Essa a orientação adotada pelo Superior Tribunal de Justiça:
“No mérito, impende assinalar o acórdão recorrido está em consonância com o posicionamento desta Corte Superior de Justiça. Para bem dilucidar a questão, no que concerne especificamente ao mérito do presente recurso, oportuna a adoção do entendimento exarado no seguinte julgado: “a despeito de ser a ação civil pública, em razão de suas finalidades sociais, preponderantemente condenatória, implicando na obrigação de fazer ou não fazer, esta Corte tem-na admitido para defesa do erário”. Precedentes (Resp. n. 78.916-SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ 6.9.2004). A título de reforço, não é demais lembrar que este Sodalício assim se manifestou em casos como o dos autos:
Ação civil publica. Legitimidade. Ministério Público. Lesão à moralidade publica.
- O Ministério Público, por forca do art. 129, III, da CF/1988, é legitimado a promover qualquer espécie de ação na defesa do patrimônio publico social, não se limitando a ação de reparação de danos. Destarte, nas hipóteses em que não atua na condição de autor, deve intervir como custos legis (LACP, art. 5º, § 1º; CDC, art. 92; ECA, art. 202 e LAP, art. 9º).
- A Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma serie de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração publica, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Publica e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por clausulas pétreas.
- Em consequência, legitima-se o Ministério Público a toda e qualquer demanda que vise à defesa do patrimônio público sob o angulo material (perdas e danos) ou imaterial (lesão à moralidade).
- A nova ordem constitucional erigiu um autentico “concurso de ações” entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Publico para o manejo dos mesmos.
- A lógica jurídica sugere que legitimar-se o Ministério Publico como o mais perfeito órgão intermediário entre o Estado e a sociedade para todas as demandas transindividuais e interditar-lhe a iniciativa da Ação Popular, revela contradictio in terminis.
- Interpretação histórica justifica a posição do MP como legitimado subsidiário do autor na Ação Popular quando desistente o cidadão, porquanto à época de sua edição valorizava-se o Parquet como guardião da lei, entrevendo-se conflitante a posição de parte e de custos legis.
- Hodiernamente, após a constatação da importância e dos inconvenientes da legitimação isolada do cidadão, não há mais lugar para o veto da legitimatio ad causam do MP para a Ação Popular, a Ação Civil Publica ou o Mandado de Segurança coletivo.
- Os interesses mencionados na LACP acaso se encontrem sob iminência de lesão por ato abusivo da autoridade podem ser tutelados pelo mandamus coletivo.
- No mesmo sentido, se a lesividade ou a ilegalidade do ato administrativo atingem o interesse difuso, passível e a propositura da Ação Civil Publica fazendo as vezes de uma Ação Popular multilegitimaria.
- As modernas leis de tutela dos interesses difusos completam a definição dos interesses que protegem. Assim é que a LAP define o patrimônio e a LACP dilargou-o, abarcando áreas antes deixadas ao desabrigo, como o patrimônio histórico, estético, moral etc.
- A moralidade administrativa e seus desvios, com consequências patrimoniais para o erário público enquadram-se na categoria dos interesses difusos, habilitando o Ministério Publico a demandar em juízo acerca dos mesmos.
- Recurso especial desprovido (Resp. n. 173.414-MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 26.04.2004); SÚMULAS – PRECEDENTES RSSTJ, a. 6, (27): 165-326, fevereiro 2012 173
Administrativo e Processual. Improbidade administrativa. Ação civil pública.
- A probidade administrativa é consectário da moralidade administrativa, anseio popular e, a fortiori, difuso.
- A característica da ação civil publica está, exatamente, no seu objeto difuso, que viabiliza multifária legitimação, dentre outras, a do Ministério Público como o mais adequado órgão de tutela, intermediário entre o Estado e o cidadão.
- A Lei de Improbidade Administrativa, em essência, não é lei de ritos senão substancial, ao enumerar condutas contra legem, sua exegese e sanções correspondentes.
- Considerando o cânone de que a todo direito corresponde um ação que o assegura, é licito que o interesse difuso à probidade administrativa seja veiculado por meio da ação civil pública máxime porque a conduta do Prefeito interessa a toda a comunidade local mercê de a eficácia erga omnes da decisão aproveitar aos demais munícipes, poupando-lhes de novéis demandas.
- As consequências da ação civil pública quanto ao provimento jurisdicional não inibe a eficácia da sentença que pode obedecer a classificação quinaria ou trinaria das sentenças.
- A fortiori, a ação civil publica pode gerar comando condenatório.
- Axiologicamente, é a causa petendi que caracteriza a ação difusa e não o pedido formulado, muito embora o objeto mediato daquele também influa na categorização da demanda.
- A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se.
- A doutrina do tema referenda o entendimento de que “A ação civil pública é o instrumento processual adequado conferido ao Ministério Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, exigindo tanto a reparação do dano causado ao patrimônio por ato de improbidade quanto a aplicação das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas ao agente público, em decorrência de sua conduta irregular.
(…)
Torna-se, pois, indiscutível a adequação dos pedidos de aplicação das sanções previstas para ato de improbidade a ação civil pública, que se constitui nada mais do que uma mera denominação de ações coletivas, as quais por igual tendem à defesa de interesses metaindividuais. Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública se trata da via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração pública e para a repressão de atos de improbidade administrativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão do art. 12 da Lei n. 8.429/1992 (de acordo com o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 3º da Lei n. 7.347/1985) (Alexandre de Moraes in “Direito Constitucional”, 9ª ed., p. 333-334).
- Recurso especial desprovido (Resp. n. 510.150-MA, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 29.3.2004).
Finalmente, colocando uma pá de cal na dúvida temos o teor da Súmula 329 do Superior Tribunal de Justiça:
“O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público”
Em suma: Ao Ministério Público foi destinada, pela Constituição da República, a tutela do patrimônio público e social, como uma das funções essenciais à realização da justiça, sendo um dos aspectos, portanto, da sua atuação fiscalizadora, exercida mediante instrumentos diversos, dentre os quais se destacam o inquérito civil e a ação civil pública, visando preservar a integridade material, moral e legal da Administração Pública.
Relativamente às espécies de objetos imediatas do pedido, de acordo com a Lei 7.347/85:
Art. 3º. A ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
Desse modo, o não oferecimento ou a oferta irregular de transporte escolar enseja a propositura de ação civil pública para compelir o Estado a concretizar o direito fundamental à educação, previsto no texto do artigo 208, inciso VII c/c § 1º da Constituição da República de 1988, além outros direitos difusos, tais como a probidade administrativa etc.
- DOS FATOS.
2.1. Do descumprimento do objeto.
O Ministério Público do Estado da Bahia em quatorze (14) de outubro do mês de outubro do ano de 2014 instaurou o Inquérito Civil de nº 04/2014, de ofício, com a finalidade de investigar a adequação da prestação dos serviços de transporte escolar no Município de Eunápolis (Volume I, Portaria às fls. 02/05).
Apurou-se que a empresa SMAR EMPRESA DE TRANSPORTES LTDA celebrou contrato de prestação de serviços de transporte escolar com o Município de Eunápolis no ano de 2013 (Contrato Administrativo nº 05/2013 e aditivos, Volume II, fl. 316/342), sendo essa avença prorrogada desde então, com base no permissivo constante do art. 57, II da Lei 8.666/1993.
Sem grandes dificuldades, através das respostas às reiteradas requisições feitas ao longo de quase três anos de tramitação, se verificou que já à época da assinatura do contrato administrativo nº 05, no ano de 2013, a empresa SMAR concorreu no certame com uma frota de veículos completamente irregular.
Tais conclusões extraem-se dos seguintes fatos:
- De saída, não há no procedimento licitatório (requisitado na íntegra na portaria de instauração do inquérito civil, fls. 02/05 do Volume I) nenhum documento comprovando o cumprimento do item 1.6 (“A contratada deverá seguir o que dispõe a Lei Federal nº 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro – em especial o disposto nos Art. 136 a 138, com relação à segurança no transporte de passageiros, especialmente crianças, cabendo à contratada toda a responsabilidade por quaisquer tipos de acidentes”,) a não ser a assinatura de uma declaração vazia.
- Mesmo após o transcurso de mais de 1 ano e 10 meses da assinatura do contrato a empresa contratada e segunda ré não conseguiu comprovar a realização de nenhuma das vistorias – através de laudos técnicos dos órgãos do sistema Nacional de Trânsito ou seus conveniados – exigidas pela Lei 9.507/2003, limitando-se a juntar extravagantes “Declarações” genéricas, do ano de 2015 (!!), informando que “parte dos veículos” da frota da empresa “já foram (sic) vistoriados” (Volume VII, fls. 1.261/1.296).
- A par dos flagrantes descumprimentos do edital transcritos nas letras a e b, até a instauração do inquérito civil que subsidia essa ação civil pública, alguns veículos também já rodavam sem nenhuma condição de uso, como o próprio Município contratante reconhece no ofício resposta nº 256/2014 de 18 de novembro de 2014 (ex. veículo placa MQE 3156 – Eunápolis/BA, 10/11, 17 do Volume I);
- À 192 vemos uma lista de veículos integrantes da frota que à época da instauração do inquérito civil que, para além das condições de segurança, igualmente não atendiam a outras exigências do objeto do edital, como por exemplo, relativamente ao ano de fabricação (Volume V, fl. 912, Volume VII, fl. 1.212 e 1.233/1.234 e 1.236), bem como do projeto básico, anexo ao edital (Volume V, fl. 927, item 5 e 11, b e c).
Assim sendo, desde o início das investigações instauradas pelo Ministério Público, constatou-se que nem ao menos um dos veículos integrantes da frota da empresa prestadora do serviço público de transporte escolar cumpria, sequer, a primeira cláusula do edital de pregão presencial nº 001/2013, qual seja, o próprio objeto do contrato, posto estar comprovado documentalmente nos autos que a “contratada NÃO seguia – como até hoje não segue integramente – o que dispõe a lei Federal nº 9.503/97 (Código Nacional de Trânsito), EM ESPECIAL O DISPOSTO NO ART. 136 A 138, COM RELAÇÃO À SEGURANÇA NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS, ESPECIALMENTE CRIANÇAS” (item 1.6, fl. 913, Volume V).
Aprofundemos a análise nesse ponto, isto é, a ausência dos laudos de vistoria dos veículos automotores integrantes da frota da segunda ré.
Já foi dito que compulsando o procedimento administrativo licitatório não se obtém nenhuma prova da adequação da frota da empresa vencedora ao objeto do edital, salvo vazias declarações.
Com um pouco de esforço, desempenhando o papel que primariamente incumbia ao Município de Eunápolis, entidade contratante, o Ministério Público descortinou a incapacidade da técnico-operacional da empresa, como se passa a expor.
Inicialmente, lembramo-nos do teor da resposta do Município de Eunápolis (ofício nº 256/2014, fl. 10, fls.18/19, Volume I):
“2-Estamos encaminhando a relação completa dos veículos que realizam o transporte escolar do Município de Eunápolis na área urbana e na zona rural, com os seus respectivos certificados e registros e licenciamentos, totalizando 49 ônibus e 16 kombis.”
À fl. 1.233 do Volume VII do inquérito civil a empresa SMAR informa à Secretária de Educação:
“Estamos encaminhando os seguintes documentos: 3º. Cópia dos laudos/vistorias do órgão credenciado pelo DETRAN para realiza-las. Num total de 35 (trinta e cinco), bem como a declaração do órgão competente informando que os demais veículos encontram-se já agendados para as devidas vistorias, em razão do volume da demanda junto à empresa INBAPA, credenciada pelo DETRAN-BA.”
Mesmo que ultrapassássemos a escandalosa ilegalidade consistente em, após 2 (dois) anos e meio após a assinatura do contrato (ofício nº 08/2015, fl. 1.233 data de 1º de julho de 2015) a empresa contratada não possuir arquivado em seus registros nenhum laudo dos seus veículos – seja do ano atual, seja de anos anteriores –, o que seria suficiente para considerá-la, de plano, inabilitada para prestar o serviço de transporte escolar no Município de Eunápolis, cujo contrato administrativo foi assinado no longínquo ano de 2013.
A partir da fl. 1.261 do sétimo volume dos autos a segunda ré traz constrangedores documentos intitulados de “DECLARAÇÃO”:
“Vimos através desta afirmar que uma parte dos veículos da Smar Empresa de Transporte Ltda, pessoa jurídica, inscrita no CNPJ: 09289465/0001-89, situada na Rua Estelita Melgaço, 602, Eunápolis-Ba, que realiza o serviço de transporte escolar no Município de Eunápolis-Ba já foram vistoriados e os demais veículos da mesma segue agendamento do nosso órgão para realizar os procedimentos de checagem dos itens essenciais dos veículos.”
Prosperemos.
Até o mês de agosto do ano de 2015 (“laudos” de fls. 1.262/1.296 do Volume VII) a verdade é que não existia nenhum laudo de nenhum dos veículos integrantes da frota da empresa SMAR, segunda ré.
Apenas no mês de agosto de 2015, após notificar Deivid Fadini (termo de declarações tomadas no dia 10 de agosto de 2015, às fls. 1.419/1.420, Volume VIII) esse órgão de execução começou desvendar as ilegalidades e o seu Promotor de Justiça compreender a situação.
Deivid Fadini é o responsável técnico (engenheiro mecânico) do Instituto Baiano de pesquisas Automotivas, que passou a atuar no Município de Eunápolis a partir do mês de maio do ano de 2014, com base na Portaria nº 2.044/2012 (fls. 1.421/1.436, Volume VIII).
Segundo Deivid, “ao Instituto cabe fazer as inspeções de segurança de apenas algumas espécies de veículos automotores, quais sejam: caminhões com mais de 5 (cinco) anos de fabricação, ônibus com mais de 10 (dez) anos de fabricação e quaisquer veículos automotores modificados. Especificamente em relação aos veículos escolares, o Instituto só faz inspeções de segurança no caso dos ônibus, se possuírem mais de 10 (dez) anos. No caso de vans e kombis, esses veículos só são vistoriados e inspecionados se possuírem mais de 10 (dez) assentos, pois nesses casos são caracterizados como micro-ônibus. Então, as vistorias e as inspeções de segurança a que se refere o Código Nacional de Trânsito, no art. 136, não são feitas pelo Instituto em todos os veículos, apenas nos casos acima.”
Nessa ocasião, Deivid Fadini se comprometeu a trazer os laudos dos veículos escolares vistoriados e inspecionados a partir do ano de 2014, totalizando aproximadamente 30 (trinta) veículos.
Assim, alguns dias depois 38 (trinta e oito) laudos aportaram no Ministério Público (fls. 1.531/1.599 do Volume VIII e 1.603/1.717 do Volume IX). Em sequência (ofício nº 205/2015, datado de 24 de agosto de 2015, fls. 1.718/1.719), o Município de Eunápolis, constrangido pela atuação do Parquet envia apenas uma parte, da documentação já conseguida por esse Promotor de Justiça (fls. 1.720/1.782 do Volume IX).
Compulsando esses laudos podemos tirar algumas conclusões:
- 24 (vinte e quatro) desses laudos são de inspeções realizadas a partir do mês de junho do ano de 2014 sendo o restante, 14 (quatorze), datam a partir do mês de junho do ano de 2015.
- Todas as “Declarações” ( 1.262/1.296) datam de “15 de junho de 2015”;
- 27 (vinte e sete) “Declarações” coincidem com os “certificados periódicos de segurança veicular”;
- Mesmo aprovados, do total de 27 (vinte e sete), 14 (quatorze) dos chamados “certificados periódicos de segurança veicular” apontam a existência de variadas ”não conformidades” (ex: o ônibus de placa JLX 5652 etc.);
- O veículo trazido na “Declaração” de 1.262 (JRN 4926) NÃO CONSTA DE NENHUM DOS NOMEADOS “CERTIFICADOS PERIÓDICOS DE SEGURANÇA VEICULAR”, enviados pelo engenheiro Deivid, representante do INBAPA;
- O veículo trazido na “Declaração” de 1.263 (JON 7591) NÃO CONSTA DE NENHUM DOS NOMEADOS “CERTIFICADOS PERIÓDICOS DE SEGURANÇA VEICULAR”, enviados pelo engenheiro Deivid, representante do INBAPA;
- O veículo trazido na “Declaração” de 1.264 (JRM 0778) NÃO CONSTA DE NENHUM DOS NOMEADOS “CERTIFICADOS PERIÓDICOS DE SEGURANÇA VEICULAR”, enviados pelo engenheiro Deivid, representante do INBAPA;
- O veículo trazido na “Declaração” de 1.274 (JMV 9020) NÃO CONSTA DE NENHUM DOS NOMEADOS “CERTIFICADOS PERIÓDICOS DE SEGURANÇA VEICULAR”, enviados pelo engenheiro Deivid, representante do INBAPA;
- O veículo trazido na “Declaração” de 1.275 (JLX 3476) NÃO CONSTA DE NENHUM DOS NOMEADOS “CERTIFICADOS PERIÓDICOS DE SEGURANÇA VEICULAR”, enviados pelo engenheiro Deivid, representante do INBAPA;
- O veículo trazido na “Declaração” de 1.275 (JLX 3476) NÃO CONSTA DE NENHUM DOS NOMEADOS “CERTIFICADOS PERIÓDICOS DE SEGURANÇA VEICULAR”, enviados pelo engenheiro Deivid, representante do INBAPA;
- O veículo trazido na “Declaração” de 1.276 (JLX 3462) NÃO CONSTA DE NENHUM DOS NOMEADOS “CERTIFICADOS PERIÓDICOS DE SEGURANÇA VEICULAR”, enviados pelo engenheiro Deivid, representante do INBAPA;
- 6 (seis) dos “certificados periódicos de segurança veicular” (veículos de placas: JMI 5458, JLX 5641, JLX 5651, JOV 3895, JMI 5147, JMI 5487), são de ônibus que não apresentam-se caracterizados como de transporte escolar, apesar de a empresa SMAR arrolá-los como pertencente à frota que presta esse serviço público, como pode-se ver ás 18/19 do Volume I.
A “INBAPA” também enviou ao Ministério Público 4 (quatro) “Relatórios de Não Conformidade”, referentes aos seguintes veículos:
- JMV 9020;
- JLX 3476;
- MPS 0096;
- MPC 0035
Cotejando todos os documentos, chegamos a seguinte conclusão: dos 49 ônibus que realizam o transporte escolar (de acordo com o ofício nº 256/2014, fl. 10 do Volume I), apenas 27 foram vistoriados por entidade conveniada pelo DETRAN/BA encontrando-se aptos a executarem o transporte dos alunos da rede pública, e mesmo assim, mais da metade deles (14), apesar de aprovados, ainda apresentam alguma espécie de inconformidade que não foram sanadas.
Os outros ônibus (22) e todos os demais veículos menores (16 kombis) nunca foram vistoriados e circulam até hoje em absoluta legalidade.
Na data de hoje, todos os laudos apresentados pelo INBAPA se encontram com prazo de validade vencido.
Por fim, nos valendo da máxima de que “imagens valem mais do que palavras”, trazemos o “Relatório de Inspeção nº 001/2016” (fls. 1.794 e 1.796/1.799 do Volume IX e 1.803/1.813 do Volume X), lavrado pelo Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB.
Esse documento identifica e registra em fotografias uma série de veículos – completamente inservíveis – encontrados no pátio da Empresa SMAR.
A surpresa está no fato de que alguns desses inspecionados (MPD 1903, LAF 3027, JLV 3453, JMV 1174 e JLX 5651), foram mencionados como aptos a executarem o serviço de transporte escolar (pelo Município de Eunápolis às fls. 10/11 do Volume I, que como já comprovada demonstra-se completamente incompetente para fiscalizar os seus próprios serviços públicos e pela Empresa SMAR, às fls. 18/19 do Volume I).
A própria SMAR comunica no documento de fl. 1.236 (Volume VII) que realizou a substituição de alguns veículos, tendo incluído nessa na frota, por exemplo, o ônibus de placa JMV 9560, também completamente imprestável, conforme o “Relatório de Inspeção nº 001/2016”.
Mas o que é verdadeiramente assustador é que dois desses veículos (MPD 1903 e JMV 1174) FORAM APROVADOS NAS VISTORIAS feitas pelo IBAPA (documentos, respectivamente, de fls. 1.690/1.693 e 1.667/1.671 do Volume IX), datadas de 17/06/2014 (veículo JMV 11 74) e 14/11/2014 (veículo MPD 1903).
Será que à época da inspeção nº 001/2016 promovida pelo Conselho do FUNDEB e Ministério Público, ocorrida no dia 23 de março do ano de 2016, portanto, menos de dois anos após as vistorias, é possível tais veículos apresentarem tamanho grau de deterioração? Ou será que os veículos foram indevidamente aprovados?
Na ótica do Ministério Público as provas produzidas colocam em cheque a autenticidade de todos os “certificados de inspeção” produzidos até o momento, havendo graves indícios de fraude.
Continuemos.
Contudo, mais lamentável que a falta de qualificação da empresa contratada para a execução de tão importante serviço público, apenas, a reiterada desídia e irresponsabilidade dos gestores Municipais de Eunápolis.
Já em 18 de novembro de 2014, no primeiro ofício resposta encaminhado pelo Município de Eunápolis ao Ministério Público (fl. 10/11 do Volume I), constatamos a tentativa de mascarar a verdade dos fatos.
Nessa oportunidade, no item 6, assim se manifestou o Município de Eunápolis:
“6-Estamos encaminhando documentos comprobatórios das inspeções para verificação dos equipamentos obrigatórios e de segurança, bem como vistorias para verificação específica dos itens de segurança para transporte escolar de todos os veículos utilizados em Eunápolis. Pedimos licença para informar que nos últimos dois anos por força das Leis Federias e Estaduais o DETRAN-BA credenciou empresas especializadas nesses serviços. Em Eunápolis e região encontra-se credenciada/autorizada a INBAPA – Instituto Baiano de Pesquisas Automotivas, CNPJ nº 18.499.564/005-00, com sede na Rua do Contorno, nº 80, loteamento 02 – Nova Eunápolis (…)”.
“Obs: Considerando o grande volume de serviços, o INBAPA programa suas inspeções veiculares para atender a todas as cidades da região. Em razão deste fato restam apenas para serem vistoriadas em nome da SMAR e já programadas, as vistorias para os veículos constantes da Declaração/Certificação que ora anexa, da lavra do referido Instituto, no total de 15 (quinze) veículos.”
É inaceitável, até mesmo ofensivo, uma entidade federativa, um Município, seu Prefeito, o Secretário Municipal de Educação, o Procurador Geral, aceitar como documentos comprobatórios das inspeções para verificação dos equipamentos obrigatórios e de segurança, bem como vistorias para verificação específica dos itens de segurança para transporte escolar de todos os veículos utilizados em Eunápolis as “declarações” fornecidas pela Empresa Contratada. Acresça-se, “declarações” parciais e de apenas um ano (ano de 2015). E os anos anteriores? E durante o procedimento licitatório? Recordamos que a cópia integral do procedimento licitatório encaminhado pelo Município de Eunápolis não trouxe um único laudo de vistoria dos veículos da empresa SMAR. O Município sequer conhecia a frota da empresa concorrente?
Além disso, o Município informou que “nos últimos dois anos (…) o DETRAN/BA credenciou empresas especializadas nesses serviços” e que “em Eunápolis e região encontra-se credenciada/autorizada INBAPA – Instituto Baiano de Pesquisas Automotivas (…)”.
Todavia, sem muito esforço, verificou-se que a informação prestada pelo Município estava incorreta, já que após notificação, foi ouvido na Promotoria de Justiça o Engenheiro Mecânico do INBAPA, Deividi Fadini, e em suas declarações, este informou que o INBAPA é responsável pelas inspeções e vistorias em apenas algumas espécies de veículos automotores e especificamente em relação aos veículos escolares, o Instituto só faz vistorias e inspeções de seguranças nos ônibus, se possuírem mais de 10 (dez) anos e no caso de Kombis e Vans, esses veículos só são vistoriados e inspecionados se possuírem mais de 10 (dez) assentos, pois nesses casos são caracterizados como micro-ônibus.
Assim sendo, o caso é grave, pois o próprio órgão responsável por fiscalizar a execução do contrato desconhecia, como até hoje desconhece, o verdadeiro responsável pelas vistorias dos veículos.
Não bastasse, apesar do triste quadro desenhado, não se tem prova de providência concreta por parte do Município de Eunápolis, ente público contratante, seja a instauração de procedimento administrativo, de imposição de multas etc., apesar dos evidentes descumprimentos das cláusulas contratuais (Volume III, Cláusula Quinta, fl. 552), do anexo do edital (Volume V, fl. 927) etc.
Mais uma vez:
- Após a instauração do inquérito civil, ainda no ano de 2014, até hoje, detectou-se que apenas parte da frota de veículos da empresa contratada SMAR – aquela sob a responsabilidade do INBAPA, isto é, os ônibus escolares, – foram vistoriados adequadamente quanto aos equipamentos de obrigatórios e de segurança, nos termos do Código de Trânsito, artigos 136 usque 139;
- Não há laudos de vistorias anteriores ao ano de 2015. De nenhum veículo;
Em verdade, é possível até mesmo afirmar com base nas provas documentais (Volume VII, fl. 1.231) que a frota atual da e empresa, após várias substituições e aquisições de novos veículos, não corresponde mais àquela existente à época na qual a empresa sagrou-se vencedora do certame, tão profundas mudanças sofreu nesse período, levando a crer que fosse o procedimento licitatório conduzido de forma responsável, a empresa não poderia sequer ter ultrapassado a fase de habilitação.
Também reafirmamos que somente após a intervenção do Ministério Público algumas outras irregularidades foram sanadas, tais como substituição de alguns veículos em péssimo estado de conservação (veículo placa MQE 3156 – EUNÁPOLIS, item 2, à fls. 10 e 17 e Volume VII, fl. 1.231, item 1 e fls. 1.233/1.260) e a atualização de parte dos certificados dos cursos específicos de transporte escolar para os motoristas (Volume VII, fl. 1.231, item 2 e fl. 1.233).
Finalmente, de se ressaltar os registros documentais antigos acerca da deficiência do transporte escolar. Atas do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB de outubro, novembro do ano de 2014 (fls. 1.814/1.861, Volume X) já relatam diversos problemas, como “falta de atendimento adequado aos alunos da Escola Municipal Nosso Bom Jesus, no Embaré, Zona Rural”, reportando a existência de “veículos com bancos e assoalhos danificados, cintos de segurança desgastados” e “sem a devida plotagem que caracteriza o transporte escolar”.
E não obstante a evidente má prestação do serviço de transporte escolar, o contrato administrativo nº 05/2013 já recebeu, até onde se sabe, 11 (onze) aditivos, como comprovam os documentos de fls. 327/342, Volume II, aditivos de 1 a 6 e fls. 1.862/1.865, Volume X, resultando em um acréscimo de alguns milhões de reais, sem qualquer demonstração de melhora na prestação do serviço contratado.
Todas essas conclusões foram feitas após análise das respostas – e omissões – às requisições feitas através dos ofícios nº 102/2014 (fls. 06/08, Volume I), nº 59/2015 (fls. 1.211/1.213, Volume VII), nº 60/2015 (fls. 1.217/1.221, Volume VII), nº 111/2015 (fls. 1.350/1.353, Volume VII), nº 112/2015 (fls. 1.354/1.356, Volume VII), nº 113/2015, fls. 1.360/1.362) etc.
- Da superlotação.
Outro viés do descumprimento do objeto contratual (“item 1.2 da Cláusula Primeira – Do objeto”), verificado no curso do inquérito civil instaurado, diz respeito à superlotação dos veículos.
Em meados do ano de 2015, através de requisições contidas no ofício nº 60/2015 (fls. 1.217/1.221), nº 111/2015 (fls. 1.350/1.353, Volume VII) o Ministério Público já detectava o problema.
Apesar da resposta da Empresa SMAR (fls. 1.403/1.405, Volume VIII), que nada esclarece, já que não confronta analiticamente todos os dados (número total de veículos, número total de alunos, turnos e, itinerários), existem provas documentais da superlotação (documentos de fls. 1.866/1.872, Volume X), além de uma mídia contendo um vídeo, anexado à fl. 1.870, Volume X).
Aqui já antecipa o Ministério Público que a tese de defesa quanto à superlotação será a existência de “caronas” nos veículos que deveriam ser destinados exclusivamente aos estudantes. No entanto, felizmente temos provas de que essa tese é completamente falaciosa.
E a certeza dessa afirmação está amparada documentalmente, isso porque, às fls. 1.866/1.872 do Volume X dos autos do inquérito civil, há registros de flagrante do ônibus escolar, placa HPD 4262 conduzindo 87 alunos.
Além disso, documento da lavra do Conselho Tutelar de Eunápolis informa (fl. 1.871) “que essa não foi a única vez que o escolar estava superlotado, mas sim que isso acontece todos os dias.”
- Da ausência de monitores nos ônibus.
A Lei Municipal nº 969/2014, que dispõe sobre o plano de cargos, carreira e remuneração dos servidores públicos do quadro geral da Administração criou o cargo de “monitor”, com previsão de 100 (cem) vagas e carga horária de 40 (quarenta) horas (Ofício nº 334/2017, fls. 1.891/1.893, Volume X).
A Lei Municipal descreve como uma das funções desse cargo “o auxílio nas ações que envolvam o transporte escolar, em horários pré-estabelecidos pela Secretaria de Educação” (fl. 2.157, Volume XI).
Atualmente, o Município de Eunápolis possui 75 (setenta e cinco) servidores públicos ocupando o cargo de “monitor” (fls. 1.990/1992, Volume XI).
Segundo a própria Secretária de Educação, atualmente apenas “dois monitores estão presentes nos veículos que realizam o transporte escolar, sendo um na linha do bairro Stela Reis, que atende a Escola Municipal Almerindo Alves, enquanto o outro servidor atua no ônibus que passa pelos bairros da Urbis I até o Gusmão, compreendendo as Escolas Frei Calixto, CEMEI I e Humberto de Campos”.
Segundo a Secretaria de Educação, atualmente “é necessária a presença de monitores em 08 (oito) linhas do transporte escolar da rede pública municipal, destacando que 2 (duas) já contam com o servidor responsável por tal função”.
Arremata que “Seriam necessários mais 09 (nove) servidores a fim de atender a demanda total” e que tal seria possível em um prazo de “6 (seis) meses”.
Finalmente, o Município revela que tal demanda “pormenorizada em documento anexo” levou em consideração o nível de ensino, ano e turma dos docentes, fruto de uma análise conjunta do departamento pedagógico e do setor de divisão do transporte da Secretaria Municipal de Educação” e que “a relevância de se manter um monitor nas linhas acima especificadas deve-se ao elevado número de alunos que utilizam os veículos destinados a tais rotas”.
- Da inexistência de ônibus equipados para o transporte de portadores de deficiência.
Finalmente, compulsando o edital e o contrato administrativo, não há uma linha sequer sobre a obrigatoriedade de disponibilização de veículos adaptados para o transporte de alunos portadores de deficiência.
Quanto a esse aspecto, tramita na 7ª Promotoria de Justiça o inquérito civil nº 01/2014 (SIMP nº 647.0.73914/2014) no qual, instada a se manifestar sobre alguns assuntos, a então Secretária Municipal de Educação, tratou também dessa questão (fls. 2.174/2.175, Volume XI), revelando:
“É certo que o Município de Eunápolis, em cumprimento dos preceitos constitucionais, visando assegurar acessibilidade ampla do aluno portador de necessidades especiais à educação, esta Secretaria vem envidando esforços junto à empresa prestadora de serviço de transportes (SMAR) com a finalidade de adequar mais veículos para atender aos portadores de necessidades especiais, em cumprimento a legislação vigente (…)”
Trata-se, assim, de questão gravíssima, considerando os dados sobre o número de alunos portadores de necessidades especiais: 654, segundo o “Relatório Número de Alunos com Deficiência – Censo Escolar 2013” (fls. 2.176/2.183, Volume XI), sendo que desse total, 57 possuem alguma espécie de comprometimento físico.
3- DO DIREITO
3.1. Da falta de habilitação técnico-operacional da Empresa SMAR e do consequente descumprimento da Cláusula Primeira do Contrato Administrativo (“Do objeto”).
Do exposto, verifica-se que o edital de pregão presencial nº 01/2013 (cláusulas quanto ao objeto), o contrato administrativo 05/2013 (cláusulas quanto ao objeto) e como consequência o Código de Trânsito Brasileiro, artigos 136 usque 139, foram completamente descumpridos.
Nunca houve por parte da empresa contratada – nem foi exigido pelo Município de Eunápolis – a comprovação do cumprimento das condições exigidas pelo edital para o fornecimento dos serviços de transporte escolar.
Hoje, apenas uma parte da frota está regularizada, àquela sob a responsabilidade do INBAPA, e mesmo assim, com indícios de fraudes, como já registrado. Nenhum dos veículos menores (kombis e/ou vans) passou por alguma vistoria.
É preciso regularizar a situação do transporte escolar no Município de Eunápolis, inclusive vinculando as futuras Administrações e às futuras empresas que venham a prestar o serviço de transporte escolar, exsurgindo daí o interesse de agir da presente demanda, apesar dos reconhecidos esforços do Município.
A par da ofensa ao edital, ao contrato administrativo e à Lei 9.503/1997, podemos compreender que a própria lei de licitações (Lei 8.666/1993) foi ofendida.
De fato, as provas carreadas aos autos comprovaram que a empresa SMAR não possui habilitação técnica para a execução do serviço público do transporte escolar.
A capacidade técnico-operacional remete à qualificação da pessoa jurídica licitante, a comprovação de que a empresa que retende executar a obra ou serviço é apta a tanto, mediante a demonstração de sua experiência anterior na execução de objetos similares, em prazo e quantidades, ao requerido pela Administração.
A lei 8.666/1993 preceitua no inciso II do art. 27:
Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:
II – qualificação técnica.
Por sua vez, o inciso II do art. 30 do mesmo diploma normativo prescreve:
Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
II – comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos.
Doutrina e jurisprudências majoritárias admitem a possibilidade de exigência da qualificação técnico-operacional, desde que, obviamente, seja necessária e razoável à satisfatória execução do contrato. Fundamentam esse entendimento no texto do inciso II do art. 30 da Lei 8.666/1993. Ilustrando esse entendimento, temos a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO – LICITAÇAO PÚBLICA – SERVIÇOS DE LEITURA DE HIDRÔMETROS E ENTREGA DE CONTAS – EDITAL – EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇAO DE EXPERIÊNCIA ANTERIOR – CAPACITAÇAO TÉCNICA – ARTIGO 30, 1º, I, E 5º DA LEI N. 8.666/93 – RECURSO ESPECIAL NAO CONHECIDO. (…) “A ausência de explícita referência, no art. 30, a requisitos de capacitação técnico-operacional não significa vedação à sua previsão. A cláusula de fechamento contida no 5º não se aplica à capacitação técnico-operacional, mas a outras exigências” (Marçal Justen Filho, in “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 8ª ed., Ed. Dialética, São Paulo, 2000, p. 335).
Recurso especial não conhecido.
(STJ, REsp 361.736/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Franciulli Neto, Publicado em 31.02.2003).
Certamente o Município de Eunápolis argumentará que cumpriu a lei, pois à fl. 1.164 dos autos do inquérito civil, a então empresa concorrente no certame licitatório juntou a cópia de “Atestado de Capacidade Técnica”, relativo à anterior “prestação de serviços de transportes sob regime de sublocação constando da seguinte frota: 20 ônibus, ano: 1994/1996/1997 e 10 kombis ano: 2006/2008, no período de 10 meses, atendendo a todas as exigências e normas, nada constando em nossos registros que possa desabonar seu desempenho.”
A questão é: esse pobre e lacunoso atestado seria realmente suficiente para aferir a capacidade operacional da empresa?
Segundo Egon Bockmann Moreira e Fernando Vernalha Guimarães:
“Não se podem conceber contratações com a Administração Pública desprovidas de avaliação acerca da capacitação técnica dos executores. A exigência descende de vários princípios que informam a atividade administrativa, sobretudo dos da melhor administração e da salvaguarda do interesse geral. Tem sede constitucional, a teor d inciso XXI do art. 37 da Lei Fundamental. A capacitação técnica do cocontratante há de ser necessariamente aferida pela Administração segundo critérios previamente definidos no edital de licitação, nos termos do art. 30 da LGL.
“Como consignou Flávio Amaral Garcia (Licitações e Contratos Administrativos, 3ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2010, p. 35.), a qualificação técnica visa a proteger o valor segurança da contratação, pois seu objetivo é “verificar se o licitante possui aptidão, conhecimento, equipamento e experiência para executar o objeto contratual”.
(LICITAÇÃO PÚBLICA – A Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contrataçao – RDC, Malheiros, 2012, p. 286.).
Pois bem, quanto ao referido atestado, de plano, já podemos opor as seguintes objeções à sua aceitação:
- Em primeiro lugar, o atestado, datado do mês de julho de 2011, foi fornecido por pessoa jurídica de direito privado (Viação Águia Azul LTDA ME) e os contratos celebrados com Administração Pública são intuitu personae, o que pode refletir na capacidade técnica operacional, conforme pontuado abaixo, no item “e”;
- Não se sabe o ano em que o referido contrato foi ajustado e executado;
- O prazo do contrato de “sublocação” foi de apenas “10 meses”;
- O quantitativo da frota também foi sensivelmente menor (20 ônibus e 10 kombis) em face do exigido da empresa SMAR para o transporte de mais de 5.000 alunos da rede pública do Município de Eunápolis;
- Não sendo conhecido o conteúdo do contrato particular firmado, não há como se perquirir se a frota pertencia ou não à SMAR ou se era integralmente locada de terceiros etc., o que deveria ser levado em consideração para avaliar a capacidade técnica operacional da SMAR em face das exigências do edital do pregão presencial nº 001/2013 ( 912/925, Volume V), tais como a da alínea i do item 6.4: “Comprovação através de documentos dos veículos de que a licitante possui pelo menos 45% da frota exigida no Edital, no ato da abertura da licitação” etc.
Feitas essas ponderações, considerando o abismo entre o conteúdo do atestado fornecido e o objeto do futuro contrato administrativo, que não demonstrou a prévia execução de objeto similar, a obrigação do Município de Eunápolis era, com fulcro no art. 43, § 5º da Lei 8.666/1993, diligenciar no sentido de formar juízo seguro sobre a habilitação técnica do licitante, sendo, inclusive, possível na capacidade técnico-operacional a exigência comprovação de experiência anterior relativa a quantidades mínimas ou prazos máximos (aqui a capacidade operacional difere da profissional, haja vista que nesta – parte final do inciso I do § 1º do art. 30 – não é permitida a exigência de quantitativos mínimos ou prazos máximos).
Tal decorre do inciso II do art. 30 da Lei Geral de Licitações, ao estabelecer que a comprovação da aptidão técnica será “para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação.”
Todavia, o melhor seria ter sido a Administração mais cuidadosa na elaboração e redação do edital, a fim de comprovar a capacidade técnico-operacional, exigindo ali a comprovação de experiência anterior relativa a quantidades mínimas ou prazos máximos.
Na capacidade operacional, o licitante terá de demonstrar, por meio da experiência anterior, que dispõe de recursos materiais e humanos suficientes para a execução de objetos em magnitude ou quantidades semelhantes ao requerido pela Administração, bem como nos prazos máximos por esta solicitados.
Ressalte-se, inclusive, que a melhor doutrina e jurisprudência sustenta que a capacidade técnico-operacional pode ser exigida para outros objetos que não obras e serviços de engenharia (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 433.), a exemplo de serviços comuns ou de aquisições. Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. LICITAÇAO. AQUISIÇAO DE PRODUTOS E CONSEQÜENTE MANUTENÇAO. EDITAL QUE PREVÊ A NECESSIDADE DE APRESENTAÇAO DE ATESTADOS DE PRÉVIO QUE COMPROVEM QUE AS EMPRESAS LICITANTES JÁ FORNECERAM PELO MENOS CEM PRODUTOS SIMILARES AO LICITADOS EM OUTRAS OPORTUNIDADES (CLÁUSULA DE FORNECIMENTO MÍNIMO). POSSIBILIDADE. CAPACIDADE TÉCNICO-OPERACIONAL. ART. 30, INC. II, DA LEI N. 8.666/93. RAZOABILIDADE. (…) 4. Assim sendo, há atração da aplicação do art. 30, inc. II, da Lei n. 8.666/93 que, reportando-se à necessidade de comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em quantidades com o objeto licitado (capacidade técnico-operacional), implícita e logicamente permite que editais de licitação tragam a exigência de fornecimento mínimo de equipamentos similares em outras oportunidades, desde que tal cláusula atenda aos princípios da razoabilidade (como é o caso, pois a licitação tinha como objetivo a aquisição de 200 terminais e exigia-se dois atestados de fornecimento prévio de, no mínimo, 100 terminais). 5. Recurso ordinário não provido. (STJ, RMS 24.665/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell, Publicado em 8.9.2009).
Assim sendo, não desbordaria da razoabilidade exigir a qualificação necessária para garantir a satisfatória execução do objeto pretendido, compatibilizando tanto o interesse público na consecução do objeto quanto o princípio da competitividade.
Concluindo, não deveria o Município ter se bastado na demonstração de que a empresa SMAR poderia, em tese, executar o serviço. Deveria ir além, exigindo a prova concreta de que a empresa SMAR dispunha de todos os elementos técnicos e empresarias que efetivamente a habilitasse a cumprir com perfeição o objeto.
3.1.1. Do descumprimento do objeto – Superlotação.
Outro viés do descumprimento do objeto contratual praticado pela empresa SMAR (“item 1.2 da Cláusula Primeira – Do objeto”), diz respeito à superlotação dos veículos (fls. 1.866/1.872, Volume X).
A superlotação implica ofensa direta às normas de segurança no trânsito, resultando descumprimento da Lei Federal nº 9.503/1997 (art. 136 do CTB).
Os artigos 136 e 137 do Código de Trânsito Brasileiro estabelecem que os veículos devem ter autorização emitida pelos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal (Detran), a qual deve ser afixada na parte interna, em local visível, com inscrição da lotação permitida (sendo vedada a condução de escolares em número superior à capacidade estabelecida pelo fabricante).
A condução do veículo sem o porte desta autorização caracteriza infração de trânsito grave, prevista no artigo 230, inciso XX daquele diploma, sujeita às penalidades de multa e de apreensão do veículo.
E para a concessão da autorização, o veículo deve atender, dentre outros requisitos, o prescrito no inciso VI do art. 136: “cintos de segurança em número igual à lotação”.
Vulnerada também resta a própria Constituição da República, quando, para além de assegurar o direito público subjetivo constitucional à educação no art. 208, § 1º, prescreve que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante o atendimento ao educando por meio de transporte” (art. 208, VII). Transporte adequado, obviamente.
3.1.2. Do descumprimento do objeto – Ausência de vistorias anuais e semestrais.
As condutas das rés, também acarretaram a reiteração da violação de normas do Código de Trânsito Brasileiro ao longo de mais de 5 (cinco) anos. (art. 136, inciso II do Código de Trânsito).
Os veículos autorizados a transportar os alunos são os mesmos que, em conformidade com as normas do Código de Trânsito Brasileiro, têm especificações adequadas para transporte de passageiros, a exemplo de ônibus, vans e kombis.
No entanto, para além desses requisitos comuns, todos os veículos que transportam alunos devem ter uma autorização especial, expedida pela Divisão de Fiscalização de Veículos e Condutores do Detran ou pela Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran). A autorização deve estar fixada na parte interna do veículo, em local visível.
Consectário disso, além das vistorias normais no Detran, o veículo que transporta alunos precisa fazer mais duas vistorias especiais (uma em janeiro e outra em julho), para verificação específica dos itens de segurança para transporte escolar.
Como já exaustivamente demonstrado, a empresa SMAR não comprovou atender as exigências do da Lei Federal nº 9.503/1997, assim como o Município de Eunápolis foi omisso na fiscalização dessas normas.
3.2. Do descumprimento por parte do Município de Eunápolis do Contrato Administrativo nº 05/2013 e da Lei 8.666/1993 no que tange à fiscalização da execução do Contrato.
Apesar de todo o exposto, ao longo de praticamente 5 (cinco) anos, o Município de Eunápolis assistiu passivamente o cometimento de todas as ilegalidades narradas.
Descumpriu, assim, o Município de Eunápolis inúmeras cláusulas de seu contrato administrativo, tais como o item 4.1 da Cláusula Quarta – Obrigações do Contratante (“Notificar, por escrito, à contratada, defeitos e irregularidades encontrados na execução dos serviços especificados na Cláusula Primeira, fixando prazos para a sua correção”), o item 1.1 da Cláusula Quinta – Condições de Fornecimento dos Serviços (“Os veículos discriminados no anexo I deverão possuir autorização especial para o objeto licitado, expedia pelo DETRAN ou CIRETRAN, em função de vistorias periódicas, oferecendo perfeitas condições de uso e conservação. Deverão conter todos os equipamentos de segurança e especificações do COTRAN e estar com documentação regular.”), item 12.1 da Cláusula Décima Segunda – Fiscalização (“A fiscalização será exercida por preposto do CONTRATANTE, encarregado de verificar o cumprimento das obrigações da contratada visando assegurar que os serviços sejam prestados atendendo ao estipulado pelo presente contrato, podendo, inclusive recusar ou sustar qualquer serviço prestado em desacordo com este contrato ou que atente contra a segurança do pessoal ou bens do CONTRATANTE ou de terceiros”), item 12.2 da Cláusula Décima Segunda – Fiscalização (“Cabe à Fiscalização registrar as irregularidades ou falhas que encontrar na prestação de serviços, anotando as observações ou notificações cabíveis, assinando-as em conjunto com o representante da CONTRATADA”), item 13.1 da Cláusula Décima Terceira – Penalidades (“O descumprimento, parcial ou total, de qualquer das cláusulas contidas no contrato sujeitará o contratado às sanções previstas no Capítulo IV – Seção II – Das Sanções Administrativas, da Lei Federal nº 8.666/1993, garantida a prévia e ampla defesa em processo administrativo”), item 13.2 da Cláusula Décima Terceira – Penalidades (“A inexecução parcial ou total do contrato ensejará a suspensão ou a imposição da declaração de inidoneidade para licitar e contratar com o Município de Eunápolis e multa, de acordo com a gravidade da infração”), item 13.3 da Cláusula Décima Terceira – Penalidades (“A Administração se reserva ao direito de descontar do pagamento devido à contratada o valor de qualquer multa porventura imposta em virtude do descumprimento das condições estipuladas no contrato”), item 13.5 da Cláusula Décima Terceira – Penalidades (“A empresa adjudicatária deverá observar rigorosamente as condições estabelecidas para o fornecimento do objeto licitado, sujeitando-se às penalidades constantes no artigo 86 e 87 da Lei 8.666/93 e suas alterações, a saber: Suspensão do direito de licitar pelo período de 24 (vinte e quatro) meses; Declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, enquanto perdurarem os motivos da punição, ou até que seja promovida a reabilitação perante a Autoridade que aplicou a penalidade”), item 14.1 da Cláusula Décima Quarte – Rescisão (“O CONTRATANTE poderá rescindir o presente contrato, sem que assista à CONTRATADA qualquer direito de indenização ou de retenção, nos seguintes casos: I – Descumprimento ou cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações ou prazos”).
E ao descumprir o seu próprio contrato administrativo, consequentemente, também o Município de Eunápolis violou a Lei Federal nº 8.666/1993.
O tópico anterior já havia sido reservado à análise do descumprimento de normas-regras relativas à (ausência de) habilitação técnico-operacional (da Empresa SMAR), como as previstas no art. 27, II, art. 30, II e art. 43, § 5º da Lei Geral de Licitação.
Nesse momento, também comprovamos o descumprimento de normas-regras referentes à execução do contrato, tais como o art. 67, art. 77, art. 78, I, art. 87 etc. da Lei 8.666/1993.
E além de tudo o que já foi dito, não obstante a evidente má prestação do serviço de transporte escolar a Empresa SMAR foi ainda premiada com o recebimento de 11 (onze) aditivos contratuais, resultando em um acréscimo de alguns milhões de reais, sem qualquer demonstração de melhora na prestação do serviço contratado (fls. 327/342, Volume II, aditivos de 1 a 6 e fls. 1.862/1.865, Volume X).
3.3. Da Necessidade de Monitores nos veículos que realizam o transporte escolar.
Sobre a necessidade de monitores nos ônibus, kombis e vans escolares, o Ministério Público traz dois fundamentos principais:
Em primeiro lugar, e que a rigor já seria suficiente, a própria Lei Municipal 969/2014 prevê a existência do cargo de “Monitor” com atribuição de “auxílio nas ações que envolvam transporte escolar” é porque o Poder Executivo e o Poder Legislativo Municipal, dentro de sua liberdade de conformação, deliberaram sobre a necessidade dessa função, que deve, portanto, ser efetivamente implantada.
Em segundo, como argumento de reforço, atualmente tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.799/2011, que visa a tornar obrigatória a presença de monitor no veículo destinado à condução de escolares.
O aludido projeto pretende acrescentar à Lei 9.503/1997 o art. 138-A, com a seguinte redação:
Art. 138 – A. O veículo destinado à condução de escolares deve contar, além do condutor, com a presença de monitor treinado para orientar os estudantes com relação à segurança de trânsito durante as viagens e auxiliar nas operações de embarque e desembarque do veículo”.
Nesse sentido, é possível condenar-se o Município de Eunápolis a obrigação de prover o transporte escolar com monitores, para garantia da segurança dos alunos transportados, pelo menos para aqueles veículos que transportam crianças e alunos portadores de necessidades especiais.
3.4. Do transporte escolar dos alunos com deficiência.
Outrossim, a Lei Fundamental também foi descumprida, quando, ao assegurar o direito público subjetivo constitucional à educação (art. 208, § 1º) e prescrever que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante o atendimento ao educando por meio de transporte” (art. 208, VII), o Município de Eunápolis deixa de estender esse direito aos portadores de deficiência:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(…)
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
A jurisprudência pátria acolhe tranquilamente a pretensão:
TJ-RS – Apelação Cível AC 70068102748 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 09/03/2016
Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO À EDUCAÇÃO. ALUNO PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. TRANSPORTE ESCOLAR. 1. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL AFASTADA. 2. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS DE TORNAR EFETIVO O DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. PRECEDENTES. 3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEVIDOS PELO MUNICÍPIO SUCUMBENTE EM FAVOR DO FADEP. REDUÇÃO DO VALOR. 4. MULTA POR DESCUMPRIMENTO. DESCABIMENTO. 1. Não merece acolhimento a preliminar de ausência de interesse processual aventada pelo Estado. Isso porque houve a necessidade do ajuizamento da ação por parte do adolescente para tutelar o seu direito fundamental de ter pleno acesso à educação, uma vez que efetivamente
é portador de necessidades especiais e precisa de maior atenção por parte dos entes públicos. 2. O dever constitucional do Estado – em sentindo lato – de prover o acesso à educação, notadamente em favor das crianças e adolescentes, tem arrimo nos arts. 205 e 227 da Constituição Federal. Em relação aos portadores de necessidades especiais, a obrigação do Estado não se esgota com a simples oferta da vaga, em condições iguais àquelas oferecidas aos demais alunos, indo muito além, pois requer atendimento adequado dessas necessidades ditas especiais compreendendo também o acesso à escola, o que inclui o fornecimento de transporte escolar, quando se mostrar necessário. A obrigação de fornecimento de transporte escolar é solidária entre os entes públicos. Precedentes deste Tribunal. 3. São devidos honorários advocatícios pelo Município sucumbente à Defensoria Pública, em prol do FADEP, tendo em vista que inexiste confusão entre credor e devedor, neste caso, pois se tratam de pessoas jurídicas de direito público distintas. Súmula 421 do STJ. Todavia, considerando que a verba honorária não tem cunho alimentar ou remuneratório, impõe-se a redução dos honorários para R$ 400,00, valor que se apresenta em consonância com os parâmetros adotados por esta Câmara em casos análogos. 4. Descabe a fixação (…)
TJ-MG – Agravo de Instrumento-Cv AI 10477140010109001 MG (TJ-MG)
Data de publicação: 24/08/2015
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – MENOR PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS – ENSINO ESPECIALIZADO – DIREITO CONSTITUCIONAL DE ACESSO A EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FUNDAMENTAL. AUSÊNCIA DE VAGA NO MUNICÍPIO DA RESIDENCIA. MATRÍCULA EM MUNICÍPIO DIVERSO – OBRIGATORIEDADE DE FORNECIMENTO DO TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO – MULTA COMINATÓRIA – POSSIBILIDADE. 1. A garantia de acesso a educação infantil e de ensino fundamental constitui obrigação do Município (art. 30, VI da CF). 2. Tratando-se de menor com necessidades especiais deve ser assegurado o acesso à educação especial. 3. Na falta de instituição de ensino especializada no Município de residência do menor, cabe ao ente municipal Município assegurar o acesso em escola situada no local mais próximo, com o fornecimento do transporte escolar, a fim de assegurar o efetivo acesso à educação garantido pelo texto constitucional. 4. Nos termos do art. 461, § 4º, do CPC, e de precedentes do STJ, é possível a fixação de multa cominatória para compelir o Poder Público a cumprir a obrigação de fazer concedida por meio de antecipação de tutela.
3.5. Da inexistência de afronta à Separação de Poderes.
Quanto a esse aspecto, na esteira de precedentes judiciais, é oportuno consignar, quanto à eventual alegação de ofensa ao art. 2º da Constituição da República, o Supremo Tribunal Federal, tem se manifestado, reiteradamente, no sentido de ser possível ao Poder Judiciário determinar ao Estado a implementação de políticas públicas constitucionalmente previstas sem violação da separação dos poderes:
“DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO JUDICIÁRIO. DIREITO À EDUCAÇÃO. HARMONIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Agravo nos autos principais contra inadmissão de recurso extraordinário interposto interposto com base no art. 102, inc. III, al. a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Sergipe: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – REFORMA DA ESCOLA 11 DE AGOSTO – INVOCAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL – PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – AFASTADOS – UNIDADE EDUCACIONAL QUE DESDE 2010, ENCONTRA-SE EM PÉSSIMAS CONDIÇÕES FÍSICAS – IRREGULARIDADES CONSTATADAS ATRAVÉS DAS PROVAS ADUNADAS AO FEITO – EDUCAÇÃO – DIREITO SOCIAL GARANTIDO PELA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ – POSSIBILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO DETERMINAR A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DIANTE DA, ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL – APELANTE QUE JÁ FEZ LICITAÇÃO E CONTRATOU EMPRESA PARA SOLUCIONAR TAL IMBRÓGLIO, NO ENTANTO, AS OBRAS ESTÃO ATRASADAS, SEGUNDO INFORMAÇÕES DO PRÓPRIO SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO (FL. 165/166) – PRAZO CONCEDIDO PARA CUMPRIMENTO DA DETERMINAÇÃO JUDICIAL AMPLIADO – INTELIGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO”. 2. No recurso extraordinário, o Agravante alega contrariado o art. 2º da Constituição da República, argumentando não poder o Judiciário se substituir à Administração Pública na implementação de políticas públicas. (…) 7. Cumpre realçar que a presente controvérsia não guarda pertinência com a questão constitucional trazida no Recurso Extraordinário n. 684.612, de minha relatoria, no qual reconhecida a repercussão geral da matéria. Naquele processo, a discussão versava sobre os limites do Poder Judiciário para determinar obrigação de fazer da Administração Pública relativa a políticas públicas para atendimento ao direito social à saúde. No presente caso, cuidam-se de limites do Poder Judiciário para se determinar a obrigação de fazer da Administração Pública relativa a políticas públicas para atendimento ao direito social à educação. 8. O acórdão recorrido harmoniza-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal assentada em ser possível intervenção excepcional do Poder Judiciário na adoção de providências necessárias a serem determinadas aos entes administrativos estatais, máxime quando se cuidar, como na espécie, de práticas específicas, garantidoras do direito constitucional fundamental à educação e à segurança pública, impossível de ser usufruído pela ausência de dotação das condições materiais imprescindíveis ao desempenho do serviço pela omissão da entidade recorrente, consoante atestado pelas instâncias precedentes (…) “2. O Recorrente alega ter o Tribunal de origem contrariado os arts. 2° e 165 da Constituição da República. Argumenta ser “a gerência de recursos públicos e a realização de políticas públicas tarefa que incumbe exclusivamente à Administração Pública, não podendo ser suprida na via eleita pelo Ministério Público, não possuindo a Lei da Ação Civil Pública o escopo de ensejar a quebra da independência entre os poderes” (fl. 255). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste ao Recorrente (…) O acórdão recorrido baseou-se em situação de fato específica, comprovada nos autos como se tem da decisão recorrida, pela qual se assegura o cumprimento pelo ente estatal do seu dever de conferir segurança aos usuários de prédios públicos, garantindo-se a incolumidade daqueles que poderiam se ver em situação de precariedade e risco. A decisão não avança sobre as competências dos Poderes Legislativo e Executivo, pondo-se em harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, assentada em ser possível intervenção excepcional do Poder Judiciário na adoção de providências necessárias de ser determinadas aos entes administrativos estatais, máxime quando se cuidar, como na espécie, de práticas específicas, garantidoras do direito constitucional fundamental à educação e à segurança pública, impossível de ser usufruída pela ausência de dotação das condições materiais imprescindíveis ao desempenho do serviço pela omissão da entidade recorrente, consoante atestado pelas instâncias precedentes: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO EXCEPCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (RE 700.227-ED, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 31.5.2013). “Agravo regimental no agravo de instrumento. Constitucional. Ação civil pública. Obrigação de fazer. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Precedentes. 1. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 2. Agravo regimental não provido” (AI 708.667-AgR, Relator o Ministro Dias Toffolpi, Primeira Turma, DJe 10.4.2012). “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. DETERIORAÇÃO DAS INSTALAÇÕES DE INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO. CONSTRUÇÃO DE NOVA ESCOLA. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA. PRECEDENTES. As duas Turmas do Supremo Tribunal Federal possuem entendimento de que é possível ao Judiciário, em situações excepcionais, determinar ao Poder Executivo a implementação de políticas públicas para garantir direitos constitucionalmente assegurados, a exemplo do direito ao acesso à educação básica, sem que isso implique ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento” (ARE 761.127-AgR, Relator o Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 18.8.2014). Nada há a prover quanto às alegações do Recorrente. 4. Pelo exposto, nego seguimento a este recurso extraordinário (caput do art. 557 do Código de Processo Civil e § 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal)” (RE 850.215, de minha relatoria, decisão monocrática, DJe 3.12.2014). Nada há a prover quanto às alegações do Agravante. 9. Pelo exposto, nego seguimento ao agravo (art. 544, § 4º, inc. II, al. a, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 19 de março de 2015. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora (ARE 869955, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 19/03/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-059 DIVULG 25/03/2015 PUBLIC 26/03/2015) |
Rememoremos as normas Constitucionais e Legais que amparam a pretensão:
Eis a normas veiculadas nos artigos 205, 208, §§ 1º e 2º e 227 da Constituição da República:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(…)
VII – atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)
- 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
- 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
A Constituição da República de 1988, portanto, determina ao Estado a obrigação de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação.
A norma constitucional referida define verdadeiro direito subjetivo (art. 208, § 1º da Constituição da República).
Nesse passo, não há opção ou margem de discricionariedade para o administrador, pois a Constituição já definiu o que deve ser feito. O administrador não esta autorizado a se omitir e sendo a omissão do Poder Publico em tais casos inconstitucional, autorizado está o Poder Judiciário a intervir para restaurar a forca normativa da Constituição e a máxima efetividade das normas constitucionais, sobretudo as definidoras de direitos fundamentais (art. 5°, § 1°, CR/88).
Não restam duvidas de que o ensino esta sendo oferecido de forma irregular, porquanto não estão sendo obedecidas as condições adequadas de segurança aos alunos da rede pública Municipal de Eunápolis. Considerando a oferta irregular do ensino, consubstanciada no inadequado serviço de transporte de escolar, o Poder Judiciário está autorizado a suprir a omissão inconstitucional do Município, assegurando aquele direito público subjetivo constitucional.
Não seria necessário trazer mais nenhuma norma, mormente infraconstitucionais, todavia, como argumento de reforço, nos servimos também da Lei 8.069/1990, diploma que prevê regras e princípios destinados a tutelar as crianças e adolescentes, merecedoras do Princípio Constitucional da Prioridade Absoluta.
Contudo, o atendimento a todas essas regras e princípios não é alcançado apenas com a disponibilização do transporte escolar, como é hoje feito no Município de Eunápolis, mas que esse serviço seja adequado e eficiente, de acordo com as normas de segurança, previstas no Código de Transito Brasileiro.
3.6. Do dano moral coletivo.
Enfrentadas todas as ilegalidades cometidas tanto pela Empresa SMAR quanto pelo Município de Eunápolis, devemos também verificar a possibilidade de condenação do Município de Eunápolis nos chamados “danos morais coletivos”.
A possibilidade de indenização por dano moral está prevista na Constituição da República, no art. 5º, inciso V.
O texto dessa norma não restringe, expressamente, a violação de direitos na esfera individual.
O dano moral coletivo representaria a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, de valores coletivos.
Há de se destacar que os valores da coletividade não se confundem com os valores de cada um dos indivíduos que a compõem, admitindo-se que determinados fatos possam abalar valores e sentimentos de uma comunidade de um determinado local.
No julgamento do Recurso Especial nº 636.021/2008, o Superior Tribunal de Justiça, através da Ministra Nancy Andrighi, afirmou que dentro do ordenamento jurídico pátrio, o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor representa um “divisor de águas”, rompendo com a tradição jurídica clássica de que só os indivíduos seriam titulares de um interesse juridicamente tutelado nesse âmbito. Com o Código de Defesa do Consumidor, “criam-se direito cujo sujeito é ima coletividade difusa, indeterminada, que não goza de personalidade jurídica e cuja pretensão só pode ser satisfeita quando deduzida em juízo por representantes adequados”, nas palavras da Eminente Ministra.
Na mesma linha, a Ministra citou o Estatuto da Criança e do Adolescente, que no art. 208 permite ao Ministério Público ajuizar ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente.
Assim, uma das consequências dessa evolução legislativa seria o reconhecimento de que a lesão a um bem difuso ou coletivo corresponde a um dano “não patrimonial”.
Com essas considerações, concluiu a Ministra Andrighi: “Nosso ordenamento jurídico não exclui a possibilidade de um grupo de pessoas venha a ter o interesse difuso ou coletivo de natureza não patrimonial lesado, nascendo aí a pretensão de ver tal dano reparado. Nosso sistema admite, em poucas palavras, a existência de danos extrapatrimoniais coletivos, ou, na denominação mais corriqueira, de danos morais coletivos”.
Aqui, fazemos uma observação.
A questão da possibilidade de condenação em danos morais coletivos sofre algumas objeções, sendo uma delas a de que para a sua fixação, é preciso haver a comprovação de efetivo prejuízo para superar o caráter individual do dano moral.
Essa tese é facilmente contornada quando examinamos as provas documentais produzidas. Relatórios e atas do Conselho do Fundeb demonstram os prejuízos à população carente, da zona rural do Município de Eunápolis, acrescidas à inexistência de vistorias, assim como a superlotação dos veículos causa riscos concretos à segurança de crianças e adolescentes, patente a existência de dano moral coletivo. Desse modo, não há como prosperar qualquer tese defensiva de “ausência de prejuízo”.
Todos os elementos da responsabilidade civil estão configurados: atuação dolosa do Município de Eunápolis e da Empresa SMAR, pois conhecedoras da situação, em mais de 5 (cinco) anos nunca atuaram para sequer remediá-la, o dano moral coletivo, expresso na perda de aulas de alunos, superlotação de veículos etc., como já ventilado e o nexo de causalidade entre esses elementos.
Registre-se também que a fixação de uma compensação a título de dano moral coletivo tem importante caráter pedagógico, contribuindo para desestimular futuras práticas abusivas.
Sobre o tema, pela possibilidade de fixação de dano moral coletivo tem se manifestado o Superior Tribunal de Justiça mais recentemente, como, por exemplo, no seguinte julgado: REsp 1.221.756.
Nas pegadas do recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça, deve-se ponderar a significância do fato transgressor aliado à sua repulsa social.
Em suma: os fatos trazidos nessa demanda são graves o suficiente para produzir intranquilidade social, merecendo a estipulação por esse Juízo de compensação pelo dano moral coletivo experimentado por estudantes da rede pública de ensino e seus responsáveis.
4.DO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA.
No tocante à tutela provisória de urgência, antecipada, com base nos documentos acostados, encontram-se presentes os requisitos indispensáveis à sua concessão, quais sejam, o fumus bonis iuris e o periculum in mora. Convém ressaltar, desde logo, que, em ação civil pública, o dito instrumento processual rege-se pela dicção do art. 300 e ss do Código de Processo Civil, normas aplicáveis às ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.
De passagem, frise-se que a Lei n.º 7.347/85, a qual regra a ação civil pública, somente confirma a concessão de liminar pelo julgador, senão vejamos:
“Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.”
Com efeito, o relevante fundamento da demanda resta notório, em razão do suporte fático e do sustentáculo constitucional invocado no caso vertente.
No caso em testilha, a tese jurídica sustentada nessa inicial encontra respaldo em regras e princípios jurídicos, de matriz Constitucional e infraconstitucional, vertidos, notadamente, nos artigos 205, 208, inciso VII e §§ 1º e 2º, 211 da Constituição da República, além das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Código de Transito Brasileiro. Por fim, mencione-se ainda o Princípio da Prioridade Absoluta na efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, estampado no art. 227 da Carta Magna e reproduzido na Lei 8.069/1990.
Dessa forma, as irregularidades detectadas no transporte escolar do Município além de prejudicar o acesso à educação, Direito Público Subjetivo Constitucional, como já demonstrado cabalmente, submete os estudantes que utilizam desse serviço público a riscos concretos de acidentes, considerando as irregularidades dos veículos quanto aos equipamentos de segurança.
A inadequação da frota escolar quanto a esses equipamentos básicos exigidos pelo Código de Transito Brasileiro enseja intolerável situação de risco aos alunos, expondo a vida, a saúde e a segurança das crianças e dos adolescentes.
A omissão do Poder Publico é inadmissível, devendo cessar imediatamente, evitando a produção de danos.
De outra parte, o justificado receio de ineficácia do provimento final cristaliza-se no fato de que a conhecida demora por que passam os feitos no Poder Judiciário, acarretará consequência totalmente irreversível e irreparável aos estudantes, considerando para além do intolerável risco à segurança, a perda de dias letivos – os quais vêm sendo perdidos ao longo de mais de 5 (cinco) anos, tempo de vigência do contrato administrativo nº 05/2013.
Esperar-se até que se alcance a prestação jurisdicional última (sentença), significa deixar em completo desamparo essas pessoas – estudantes da rede pública e seus responsáveis – que pugnam, mais do que nunca, pela tutela estatal e, portanto, por efetividade jurídico-processual.
Posto isso, verificados os requisitos da tutela de urgência – fumus boni iuris e periculum in mora – requer o MINISTÉRIO PÚBLICO, com fulcro no art. 300 do CPC, artigos 11, 12 e 21 da Lei 7.347/85, art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, artigos 208 e 227 da Constituição da República de 1988:
- A concessão da tutela de urgência antecipada determinando-se ao MUNICÍPIO DE EUNÁPOLIS e à EMPRESA SMAR:
a.1) A fornecer, imediatamente, a lista atualizada da frota de veículos, acompanhados dos respectivos certificados de registro e licenciamento, que realizam atualmente o transporte escolar no Município, considerando que com base nas provas documentais produzidas (Volume VII, fl. 1.231) a frota atual da e empresa, após várias substituições e aquisições de novos veículos, não corresponde mais àquela existente à época na qual a empresa sagrou-se vencedora do certame, tão profundas mudanças sofreu nesse período, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser cobrada solidariamente, corrigida monetariamente, por dia de atraso no cumprimento da obrigação;
a.2) A adequação da frota escolar, no prazo de 30 (trinta) dias, ao previsto no Código de Transito Brasileiro, submetendo tais veículos a inspeção do DETRAN/BA, com a apresentação de todos os laudos técnicos de aprovação nesse Juízo ao final desse prazo, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser cobrada solidariamente, corrigida monetariamente, por dia de atraso no cumprimento da obrigação;
a.3) A manutenção da regularidade da frota, isto é, com a realização das vitorias semestrais e anuais exigidas pelo Código de Trânsito Brasileiro até o trânsito em julgado da demanda, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser cobrada solidariamente, corrigida monetariamente, por dia de atraso no cumprimento da obrigação;
a.4) Disponibilizar no prazo de 30 (trinta) dias, 1 (um) monitor para cada veículo que realiza o transporte de crianças (até 12 anos) e alunos portadores de qualquer espécie de deficiência e que demande cuidados especiais, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser cobrada solidariamente, corrigida monetariamente, por dia de atraso no cumprimento da obrigação;
a.5) Disponibilizar veículos, no prazo de 30 (trinta) dias, na quantidade necessária, para atender todos os alunos portadores de necessidades especiais da rede pública de ensino do Município de Eunápolis, fornecendo também lista identificando todos os alunos com deficiência que fazem uso do transporte escolar, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser cobrada solidariamente, corrigida monetariamente, por dia de atraso no cumprimento da obrigação;
a.6) Ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias, seja determinado ao Município a instauração de procedimento administrativo a fim de aplicar multas e/ou tendente a rescindir o contrato administrativo n 05/2013 por REITERADO INADIMPLEMNTO contratual, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser cobrada solidariamente, corrigida monetariamente, por dia de atraso no cumprimento da obrigação;
a.7) Que seja fixada multa cominatória diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), com fulcro no art. 11 da Lei 7.347/1985 e art. 537 do Código de Processo Civil, em caso de descumprimento das medidas supra, a recair também (solidariamente) na pessoa do Secretário Municipal de Educação (v. STJ, 1ª Turma, REsp. 893.041/RS, rel. Min. Teori Zavascki e STJ, 2ª Turma, EDcl no REsp 1.111.562/RN, rel. Min. Castro Meira e STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 472.750/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques), cujos valores deverão ser revertidos em favor dos pais e responsáveis dos alunos da rede pública de ensino, beneficiários diretos do serviço de transporte escolar das crianças e adolescentes, de acordo com o § 2º do art. 537 do Código de Processo Civil;
a.8) Por fim, seja proibido o Município de Eunápolis, até o final da demanda a conceder outros aditivos contratuais, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), a ser cobrada solidariamente, corrigida monetariamente, por dia de atraso no cumprimento da obrigação.
- DOS PEDIDOS FINAIS e REQUERIMENTOS.
- Seja o Município de Eunápolis e a Empresa SMAR citados, para que, querendo, contestem a presente demanda, sob pena de revelia e confissão;
- Após a instrução, SEJAM CONFIRMADOS E JULGADOS PROCEDENTES OS PEDIDOS LIMINARES, para CONDENAR O MUNICÍPIO DE EUNÁPOLIS E A EMPRESA SMAR nas obrigações de fazer, não fazer e de pagar descritas nas letras a.1) usque8);
- A CONDENAÇÃO do Município de Eunápolis a incluir, nos futuros editais de licitação, como cláusula de habilitação dos concorrentes, o fornecimento de laudos de vistorias atualizados dos veículos das empresas interessadas, bem como a incluir cláusula sobre transporte adaptados para portadores de necessidades especiais;
- A CONDENAÇÃO do Município de Eunápolis a comprovar matematicamente que o número de veículos colocados à disposição pela empresa SMAR é compatível com o número de rotas (itinerários) a serem cumpridos, considerando as provas de superlotação dos ônibus;
- A CONDENAÇÃO do Município de Eunápolis a cumprir a Recomendação nº 01/2017 (fls. 1.383/1.385, Volume VII) do Ministério Público;
- Acaso não sejam sanadas as deficiências por parte da Empresa SMAR, seja CONDENADO o Município de Eunápolis a rescindir o contrato administrativo nº 05/2013 e a abrir novo procedimento administrativo licitatório para contratação de empresa apta a realizar o serviço de transporte escolar;
- A CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA, do Município de Eunápolis e da Empresa SMAR a danos morais coletivos, no montante de R$ 500.000,00 reais;
- Requer a dispensa do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, honorários advocatícios ou quaisquer outras despesas processuais, nos termos do artigo 18 da Lei 7.357/1985.
Protesta, desde já, por todos os meios de prova em direito admitidos, tais como a documental, a testemunhal, a pericial e todas as demais que se fizerem necessárias.
Dá-se a causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para meros efeitos fiscais.
Registre-se que os 11 (onze) volumes dos autos do Inquérito Civil nº 04/2014, SIMP 647.0.201811/2014 foram entregues diretamente ao Cartório da vara da Fazenda Pública da Comarca de Eunápolis, razão pela qual não foram digitalizados.
Nestes termos, pede deferimento.
Eunápolis, 12 de junho de 2017.
Rodrigo Pereira Anjo Coutinho
Promotor de Justiça