
Chegou o fim de semana do papai. Ele sempre atrasa uma ou duas horas. Priscila ainda fica um pouco desconfortável com a namorada dele, mas, aos três anos, já sabe fingir simpatia.
Quando ela vai embora, a casa fica estranha. Brinquedos no chão, desenhos incompletos grudados na geladeira e tevê ligada na Peppa Pig. Rita se joga no sofá com uma mistura de cansaço e tristeza. E, coisa de mãe, já sente saudade da filha.
Rita põe um disco pra rodar. Acende um cigarro. Fuma devagarinho, espremendo os olhos em cada tragada. Nunca acende um cigarro quando a filha está em casa. Não quer que ela aprenda por imitação. Pela menina, sabe, largaria qualquer vício. Mas, no fim de semana do pai, o cigarro é uma tradição.
Pensa em sair com as amigas. Tem sempre um cara pra ser apresentado. Um cara que elas vivem dizendo que é muuuito legal, que tem tudo a ver e que também tem um filho e que…
Desiste antes de se imaginar com “esse cara legal”. Não acredita em encontros arranjados, se sente meio besta, tem preguiça do teatrinho desse tipo de date e, além do mais, se o cara fosse tão bom assim, alguma amiga já tinha feito o serviço, não iriam entregá-lo assim de bandeja.
Talvez, mas só talvez, todo esse discurso seja reflexo da sua separação. Vai ver pegou raiva dos “caras legais”.
Se ainda sente alguma coisa pelo ex? Bom, ele é o pai da sua filha. Sente, sim. Mas não é nada de tirar o sono, nada que não possa ser superado.
Sua filha não precisa de um pai.
Decide almoçar em um restaurante bacana, perto da casa dela. Ao chegar no local, precisa explicar ao maître, duas vezes, que quer uma mesa para uma pessoa, que vai almoçar sozinha, ela com ela mesma. Todos os garçons fazem cara de consternação. “Vão todos tomar no cu”, pensa Rita, mas não fala.
Quando pede um drink, um pisco sour, a pressão de ser uma mulher sozinha aumenta. Na metade do drink, recebe o bilhetinho de um cara que está sentado no bar. Sim, ela é uma mulher sozinha tomando um drink em 2015 – e ainda assim um babaca vai lá e manda a porra de um bilhete mal-escrito. Ela rasga, teatralmente. Pede a conta e adiós.
Antes de voltar pra casa, resolve dar uma passadinha na Livraria na Vila. É só pra dar uma olhadinha, mas sempre sai com uma pilha de novidades. Acabou comprando dois livros para ela: “À Noite Andamos em Círculos”, do Daniel Alarcón, e “Contar Tudo”, do Jeremías Gamboa. Dois autores peruanos, coincidência. Rita pensa que, assim que a Pri estiver mais crescidinha, elas devem viajar para conhecer o país destes dois autores, o Peru.
Antes de ir embora, faz uma compra gigante na seção infantil. Ama a ideia de ter uma filha culta, cheia de imaginação e amante dos livros. Tem pavor só de imaginar sua menina sendo uma dessas adolescentes que tiraram zero na redação do Enem.
Toma um café na própria livraria. Prefere sem nenhum açúcar. Quando era mais jovem, imaginava-se encontrando um grande amor em um ambiente como esse. Talvez, não exatamente na Vila Madalena. Mas, provavelmente, em Paris.
Volta pra casa, e no caminho de volta, já sabe o que vai fazer mais tarde, sabe como vai terminar a noite. Não tem certeza, mas acha que o porteiro da madrugada já espalhou a fofoca para o prédio inteiro. Fazer o quê?
Toma um banho antes de ligar. Gosta de banhos demorados. Coloca o seu melhor vestido e procura um cartão no fundo da gaveta do criado-mudo.
Liga para a agência. Cliente, procura esse tipo de serviço nos finais de semana em que está sozinha em casa. Ou seja, nos fins de semana do papai. Por precaução e diversão, usa um nome falso: Sandra.
Desta vez, pede uma novidade, um boy diferente. “Não precisa ser bonito, mas tem que ser esforçado”, avisa.
Depois de uma hora, um garoto, um franguinho assustado, toca a campainha do apartamento e se oferece feito uma pizza delivery. Ela acha ok. Nada demais. Pergunta se o menino quer tomar alguma coisa, se precisa usar o banheiro, se quer ligar para a mamãe ou pedir socorro (sim, essa última pergunta ela faz em tom jocoso – para tirar a pressão do rapaz e fazer com que ele relaxe um pouco).
Feito isso, Rita arrasta o menino para o quarto. Transa sem dó. Fica por cima. Bate na cara. Pede um estrangulamento erótico. O cara topa, mas afrouxa as mãos antes que o orgasmo venha. Covarde! Rita fica indignada, fala uns palavrões, se levanta e paga – e ainda dá gorjeta e chama o táxi pelo aplicativo do celular.
Dorme em paz. Feito uma pedra.
Quando o despertador toca já são 10h da manhã.
Rita dá uma geral na casa. Troca o lençol. Joga os preservativos no lixo. Usa Veja Multiuso no chão do quarto. Dá um jeito na louça da pia. Abre as janelas para sair o cheiro. Qualquer cheiro. O cheiro de cigarro e o de sexo.
Sai para comprar o doce preferido da filha: quindim.
Se percebe olhando para o relógio de 20 em 20 minutos. Não se aguenta de saudade.
Rita pode não ser a melhor mãe do mundo, mas faz o que pode.
Às 20h, Pri está de volta. O ex-marido não sobe. Deixa a menina na portaria e vai embora. Ao chegar em casa, Pri ganha um abraço e dois quindins.
Tomara que o próximo fim de semana do papai demore bastante.
Os quindins estavam ótimos.
Texto e foto: Yahoo Noticias