Autor: Nagibe de Melo Jorge
Juiz Federal. Professor de Direito. Autor dos livros Sentença Cível: teoria e prática e O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas: concretizando a democracia e os direitos sociais fundamentais.
Uma boa parte dos políticos é corrupta. Uma parte dos empresários (donos do dinheiro) também é corrupta. Há uma associação entre os políticos e os donos do dinheiro. Os empresários financiam campanhas e pagam propinas aos políticos. Em troca, os políticos superfaturam contratos e aprovam leis que permitem aos empresários ganhar mais dinheiro.
Superfaturar contrato é assim. Quando o governo faz compras ou contrata obras, paga bem mais que o preço de mercado. O governo vai construir um hospital, por exemplo. A construção custa R$ 100 milhões. O governo paga R$ 110 milhões. Os R$ 10 milhões extras vão para os políticos e servidores corruptos. Eles são muitos. Estima-se que todo ano sejam desviados R$ 200 bilhões dos cofres públicos. R$ 200 bilhões.
E as leis? Como as leis podem beneficiar os empresários? Funciona assim. Os políticos aprovam leis que permitam aos empresários pagar menos impostos. Também aprovam leis que perdoam ou abatem as dívidas originadas de impostos não pagos, são os chamados programas de recuperação fiscal ou REFIS. Antes de explicar essa parte é preciso entender a divisão da carga tributária no Brasil. É rapidinho.
Em todos os países do mundo os impostos incidem basicamente sobre o consumo, sobre a renda e sobre o patrimônio. Os imposto sobre o consumo são aqueles que estão embutidos no preço de tudo que compramos: pão, feijão, computadores, celulares e automóveis. O rico e o pobre pagam o mesmo imposto quando compram o mesmo pão ou o mesmo celular porque o valor do pão e do celular é o mesmo, não importa se quem compra é rico ou pobre.
O imposto sobre a renda é aquele que incide sobre o que as pessoas ganham e sobre o lucro das empresas. E o imposto sobre o patrimônio é aquele que incide sobre o que as pessoas têm: apartamentos, imóveis, carros, navios, aviões etc.
Nos países desenvolvidos, de modo geral, o imposto sobre consumo é baixo. Por isso, um eletrônico ou um automóvel é bem mais barato nos EUA que no Brasil. Já os impostos sobre a renda e sobre o patrimônio são mais altos e progressivos. Quanto mais dinheiro você ganha, quanto mais patrimônio você tem, mais você paga. Os ricos pagam mais porque têm mais dinheiro. Isso é uma questão de justiça tributária.
No Brasil, os impostos sobre o consumo são excessivamente altos e os impostos sobre a renda, sobretudo sobre o lucro das empresas, e sobre o patrimônio são ridiculamente baixos. Isso faz com que os pobres paguem proporcionalmente muito mais que os ricos. Isso também favorece a concentração de renda. Quem é rico fica mais rico, quem é pobre fica mais pobre.
Essa é um forma de os empresários ganharem mais dinheiro. Eles são protegidos pelos políticos corruptos. É claro que a maioria dos empresários não é corrupta, mas eles não querem uma redistribuição da carga tributária para deixar o sistema mais justo. Isso faria com que eles pagassem mais impostos. A maioria dos empresários, corruptos e não corruptos, concorda que o imposto sobre o lucro das empresas deve ser baixo. Eles argumentam que isso estimula a produção. O problema é que no Brasil, esse imposto é ridiculamente baixo.
No Brasil, as pessoas físicas pagam mais imposto de renda que as empresas. É algo impressionante. Inacreditável. Mas é assim. Isso não acontece em nenhum outro país do mundo desenvolvido. Além disso, os donos das empresas (pessoas físicas) não pagam impostos sobre a renda que recebem das suas empresas (o lucro). Isso também não acontece em quase nenhum outro país do mundo desenvolvido.
No Brasil, não incidem impostos sobre a distribuição dos lucros das empresas para os donos das empresas. O banco Itaú, por exemplo, lucrou em 2016 cerca de R$ 5 bilhões de reais. Imagine que parte deste lucro, digamos R$ 2 bilhões de reais, seja distribuíds entre os donos do Itaú. Pois bem. Os donos do Itaú não pagarão um único centavo de imposto sobre essa renda. Enquanto isso, o trabalhador chega a pagar 27,5% de tudo que ganha para o governo.
Acho que já deu para entender como a distribuição da nossa carga tributária é extremamente injusta. Voltemos para a relação entre empresários e políticos corruptos. Pois bem. Além de pagar poucos impostos, quando as grandes empresas ficam devendo, os políticos comumente aprovam leis que perdoam parte dessas dívidas ou diminuem o pagamento de juros e de multas. Novamente, os donos do dinheiro ganham mais dinheiro.
Mas não é só isso. Os políticos também aprovam leis que favorecem os empresários com juros extremamente baixos. Enquanto o cidadão comum paga de 100 a 300% de juros no cartão de crédito ou no cheque especial, quando pede dinheiro emprestado, os empresários podem pedir dinheiro emprestado ao BNDES, por exemplo, e pagar 7 a 12% de juros ao ano.
Imagine que você precise pedir R$ 10 mil emprestados ao seu banco. Ao fim de um ano, sua dívida será de R$ 20 mil reais. Se o empresário pedir os mesmos R$ 10 mil ao BNDES, ao fim de um ano a dívida dele será de R$ 11 mil reais. Os R$ 9 mil reais de diferença entre os juros de mercado e os juros subsidiados do BNDES, são pagos pelos contribuintes. Na prática, os pobres pagam a conta dos ricos. Essa conta chega a bilhões e bilhões de reais todos os anos.
Ainda não é só isso. Os políticos também aprovam leis que desoneram a carga tributária. Desonerar a carga tributária é diminuir a incidência de impostos sobre um determinado setor da economia. Os empresários que representam esses setores financiam a campanha dos políticos daquele jeito que vocês já sabem. Em trocam, os políticos aprovam leis que diminuem os impostos que eles seriam obrigados a pagar.
Políticos e empresários argumentam que as desonerações são importantes para estimular a economia e gerar empregos. De 2011 a 2018, pelas leis já aprovadas, estima-se que o Brasil gastará R$ 458 bilhões com desonerações fiscais. Mas a economia está em frangalhos. Esse dinheiro vai pra onde? Para os empresários. E sai de onde? Dos cofres públicos. Quem paga a conta? O povo brasileiro. Para que se tenha uma ideia do que representa apenas esse valor, o governo diz que o déficit do INSS é de R$ 150 bilhões.
O que tudo isso tem a ver com as reformas previdenciária e trabalhista? Explico.
O país está quebrado. Não há dinheiro nos cofres públicos para custear todas as despesas do Estado, com saúde, educação, segurança etc. Isso é fato.
Uma parte dos políticos corruptos foi pega pela Lava-Jato e saiu do poder. A parte que ficou aproveita o momento para tentar fazer essas reformas. A intenção clara é favorecer aos donos do dinheiro, sem um debate social maior. Eles querem tirar o dinheiro da previdência, dos trabalhadores e dos servidores, ou seja, dos mais pobres. Dizem que, sem isso, o país quebra.
Mas eles não falam em combater a corrupção e redistribuir a carga tributária, de modo que os mais ricos paguem mais que os mais pobres. Ao invés disso, o senado aprovou a lei de abuso de autoridade. Essa lei vai dificultar muito o combate à corrupção. Eles não falam em reforma eleitoral. A reforma eleitoral é de fundamental importância para quebrar a relação espúria que existe entre os políticos e dos donos do poder.
Além disso, uma parte dos fatos divulgados no contexto das reformas previdenciária e trabalhista é falso e outra parte é discutível.
As reformas previdenciária e trabalhista são importantes. Mas elas não podem ser discutidas sem discutir o resto. Elas não podem ser discutidas como se essa fosse a única fonte de recursos para tirar o Brasil do vermelho. Os gastos com a corrupção, com os juros subsidiados, com as desonerações fiscais e a péssima distribuição tributária precisam ser discutidos.
Atenção! Isso não tem nada a ver com ser contra Lula e Dilma e a favor do Temer. Ou o contrário. Lula, Dilma e Temer sempre estiveram associados com os donos do dinheiro para fazer com que os mais pobres paguem a conta e com que os mais ricos ganhem mais dinheiro.
Nagibe de Melo Jorge Neto
Juiz Federal. Autor do livro Abrindo a Caixa-Preta: por que a Justiça não funciona no Brasil?
Nagibe é antipetista, mas não faz uma crítica profunda à privataria tucana e aos envolvimentos de tucanos e seus aliados em diversos escândalos de corrupção atuais (mensalão tucano, mensalão do DEM, escândalo dos trens e metrô de SP, Sabesp, Cemig, Furnas, etc.). Se o Judiciário sabe de tudo isso, como é que blinda tucanos e não os investiga com a mesma severidade? E como é que vários juízes são pegos com a mão na botija e depois são aposentados apenas, ou libertados cedo? (venda de sentenças – TRF2 e 4, TRT-SP, etc.). Conivência. Fala aí, Nagibe, quem foi que tirou mais de 40 milhões de brasileiros da miséria absoluta, reconhecido pela ONU.
Em tempo: as empreiteiras de sempre atuam desde sempre da mesma maneira de sempre, seja em governos federais ou estaduais e municipais. E os chamados ‘operadores do Petrolão’ já eram diretores no período FHC, no qual todos eles são unânimes em dizer que já havia corrupção desatada na empresa. Mas o Sr. Deltan prefere não os investigar, claro. E Moro, cujo pai foi fundador do PSDB em Maringá, idem. Conveniente, não? Ou conivente?